São Paulo, sexta-feira, 04 de maio de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A farsa da CPI da corrupção

ALOYSIO NUNES FERREIRA

Desenvolve-se no Senado, aos olhos da nação, um drama: dois políticos de grande prestígio e de inegáveis serviços prestados ao país têm seus mandatos ameaçados de cassação. Enquanto isso, no palco mais amplo do Congresso, ganha corpo uma farsa: a chamada CPI da corrupção.
Sobre os senadores pesa a acusação de atentarem contra regras de funcionamento do Senado. Já os que desejam instalar a CPI da corrupção atentam contra a regra maior de funcionamento da democracia, a Constituição.
A repercussão pública da violação do painel atesta o grau de amadurecimento político do país: dissemina-se a idéia de que a democracia é um conjunto de regras do jogo, legitimamente formuladas e de acatamento universal, que disciplinam a convivência na sociedade política. Por isso mesmo, e em contraste com essa evolução do sentimento público, é chocante o desprezo com que parte da mídia trata o argumento da inconstitucionalidade dessa proposta de CPI, reduzindo-o à dimensão de mera manobra tática do situacionismo.
As limitações constitucionais e regimentais aos poderes do Congresso, em matéria de investigação, são peça importante do sistema de freios e contrapesos inscritos na Lei Maior, visando o equilíbrio entre os poderes do Estado e a proteção dos cidadãos.
Assim, se as CPIs recebem "poder de investigação próprio das autoridades judiciárias", em contrapartida elas haverão de ter prazo certo para funcionar, dirigindo seu foco a fato determinado. Ou, quando muito, a fatos que guardem pertinência temática ou conexão entre eles. É essa a opinião unânime dos doutrinadores e a orientação tranquila da jurisprudência: a observância dessa regra é que distingue as CPIs, instrumentos do Estado de Direito, das devassas gerais típicas do autoritarismo. Não há outra interpretação possível para o parágrafo 3º do art. 58 da Constituição.
Ora, a chamada CPI da corrupção não se refere a um fato determinado, mas a dezesseis. Ainda assim, caracterizados de maneira nebulosa, pois na formulação do requerimento importa enxovalhar pessoas, e não esclarecer situações.


Pretendem minar a autoridade de um governo que reduziu drasticamente os espaços do clientelismo
Também não há entre os itens de investigação propostos nenhuma conexão fática que permita discernir uma certa unidade na diversidade.
Qual a conexão, por exemplo, entre o dossiê Caribe, os malfeitos da Sudam ou da Sudene, e a pasta cor-de-rosa? A conexão é ditada apenas e obviamente pelo oportunismo político, o que explica como se chegou ao número atual de assinaturas.
O ponto de partida da lista de itens é o "denuncismo" eleitoreiro da oposição petista e seus satélites, trazendo em constrangido reboque os populares-socialistas. Procuram alvejar diretamente o governo, requentam infâmias como o tal dossiê e outras, de igual inconsistência. Depois, amigos do senador Jader Barbalho acrescentaram itens obrigatórios das campanhas contra o senador Antonio Carlos Magalhães. Em compensação, os carlistas carregam na munição habitual contra os dirigentes do PMDB.
Algumas assinaturas são balas perdidas no combate entre peemedebistas pelo controle de diretórios estaduais, como os casos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Finalmente, vão chegando notórios fisiologistas frustados em seus apetites.
Eis a base parlamentar da chamada CPI da corrupção, um conjunto desengonçado de interesses políticos parciais, tendo como pano de fundo as eleições de 2002 e que tenta se esconder atrás de objetivos moralizadores.
Todos têm como alvo o governo: pretendem intimidá-lo, constranger o âmbito de seus movimentos, obscurecer seu trabalho administrativo, inibi-lo no trato da sucessão. Pretendem minar a autoridade de um governo que, por sua ação reformista, reduziu drasticamente os espaços do clientelismo e da apropriação privada do bem público, assim como, mediante sua ação eficaz e discreta, investiga, pune e corrige as mazelas que encontra.
O governo não tem medo deles. Receia, isso sim, que tal CPI, uma vez instalada, comprometa a atividade essencial -e mais do que nunca necessária- do Congresso, que é legislar. Mais ainda: o governo não aceitará passivamente a lesão à ordem constitucional, representada por um mostrengo em tudo semelhante às malsinadas Comissões Gerais de Investigação do regime militar.

Aloysio Nunes Ferreira Filho, 56, advogado, é ministro-chefe da Secretaria Geral da República e deputado federal licenciado pelo PSDB de São Paulo. Foi vice-governador do Estado de São Paulo (1991-94).


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