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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Minimalismo salarial
Nossa força de trabalho não é
nem a mais equipada nem a mais
barata do mundo. Não sendo uma Dinamarca, o Brasil também não pode e
não quer ser uma China: economia de
navio negreiro, nunca mais. Precisa
elevar o salário do brasileiro ao mesmo tempo que impede os ganhos salariais de ficarem concentrados nos setores mais capitalizados da economia.
Crescimento que não se baseie nessas
duas diretrizes é crescimento sem
aprofundamento de nosso mercado e
sem valorização de nosso trabalhador.
É, por isso mesmo, crescimento estreito e frágil.
Trocamos essas verdades justiceiras
por dogmas pseudocientíficos. Exemplo dessas mistificações é a idéia de
que aumento de salário real não pode
ultrapassar melhora de produtividade: o avanço seria desfeito por inflação. Se isso fosse verdade, não haveria
como explicar por que países em níveis semelhantes de desenvolvimento
divergem dramaticamente na maneira de repartir a renda nacional entre o
capital e o trabalho, mesmo depois de
levadas em conta diferenças naturais e
demográficas. A divergência vem da
política e das instituições, não das estrelas. Nenhum grande país de renda
média (exceto o México) dá ao trabalho parte tão pequena da renda nacional quanto o Brasil. Nenhum tolera
desigualdades tão extremas dentro do
assalariado. E nenhum, agora, cresce
tão pouco. Não foram as leis da economia que nos condenaram a tudo isso.
Fomos nós que nos condenamos.
Para dar viés altista aos ganhos do
trabalho, sem desestimular o emprego, e para moderar desigualdades
dentro do assalariado, precisamos de
todo um conjunto de iniciativas. A
partir do topo da hierarquia salarial,
fazer cumprir o preceito constitucional da participação dos trabalhadores
nos lucros das empresas. No meio da
hierarquia salarial, evitar que sindicalismo fragmentado -como aquele
que o governo propõe sob o rótulo de
pluralismo sindical- facilite acertos
desigualizadores entre as grandes empresas e a elite operária. Na base da
hierarquia salarial, subsidiar, direta ou
indiretamente, o emprego e a qualificação dos trabalhadores menos preparados. Abolir os encargos sobre a
folha de salários para fomentar o emprego com carteira assinada, financiando os benefícios trabalhistas por
meio dos impostos gerais. E elevar, de
maneira decisiva e persistente, o salário mínimo.
A valorização do trabalho e do trabalhador é, junto com a ampliação do
acesso ao crédito, à tecnologia e ao conhecimento e com a elevação da qualidade do ensino público, o eixo daquilo que o país mais quer -desenvolvimento com justiça. O salário mínimo em alta faz parte disso. Para que
o salário mínimo desempenhe seu papel, não pode servir de cifra simbólica,
a ser multiplicada em toda a estrutura
de salários e de aposentadorias. É esse
efeito multiplicador, sacramentado na
Constituição de 1988, o que perverte a
discussão sobre salário em debate sobre déficit e inflação. O único vínculo
que se deve admitir é o do salário mínimo com a aposentadoria mínima;
nada de lançar ministros da Fazenda
contra trabalhadores pobres. A política do salário mínimo deve ser o ponto
em que se encontram a luta para aumentar a parcela que cabe ao trabalho
na renda nacional e o esforço para diminuir desigualdades entre os trabalhadores. Em vez disso, virou mais
uma oportunidade para sacrificar
compromissos a superstições e ornamentar injustiças com mentiras.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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