São Paulo, sexta-feira, 04 de maio de 2007

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JOSÉ SARNEY

O doce prazer de voar

O TEMA voar anda na moda no Brasil, ou melhor, em crise. Uns chamam de apagão, na esteira do famoso racionamento de energia no princípio do século que até hoje não consegue sair da cabeça das pessoas. Mas, no caso da aviação, não apagou nada, só fez voltar aquela famosa frase do tempo das intervenções militares, em que, com prudência, uns diziam bem escondido para outros: "Há algo mais no ar além dos aviões de carreira". Agora faltam os aviões de carreira, ficou o algo mais.
Tenho vivido na própria carne, como diria o conselheiro Acácio, estes tempos. Na Semana Santa, fui ao Amapá e, com cuidado com os atrasos, passamos a tarde toda confirmando a hora da partida: 20h30? Sim, 20h30. Uma hora antes de ir para o aeroporto, confirmei: o avião estava no horário.
Cheguei ao aeroporto e recebi logo a primeira notícia: por questões operacionais, o avião recebeu ordem de rumar para Recife e recolher os passageiros que estavam esperando, havia cinco horas, outro vôo. Mas, para as 22h30, está confirmada a saída. Dez e meia veio outra notícia: agora é certo, meia-noite. O aeroporto estava cheio, revolta para todo lado. Um grupo me pediu: "Senador, consiga com a companhia um hotel para nós, estamos há dez horas esperando e ninguém dá notícia de nada". Fui ao balcão da companhia e fiz o apelo, dizendo aos revoltados: "Vejam a beleza da democracia, todos somos iguais, estou aqui na mesma situação de vocês, sem saber a que horas vou viajar. Desisti pela madrugada e voltei para casa. No dia seguinte, a mesma via-crúcis. Saímos com duas horas de atraso. Fantástico, sorte.
Há uma semana, fui aos Estados Unidos. Suspense. Meu avião em Brasília começou a atrasar. Finalmente, com a mesma sorte, conseguimos embarcar com uma hora de espera. Dentro do avião. Nada acontecia. O piloto avisou-nos de que chegara atrasado devido ao engarrafamento no ar. Agora as conexões não chegavam. Mais uma hora dentro do avião. Nosso limite apertara ao máximo. Chegamos a São Paulo. O "finger" onde deveríamos parar estava ocupado por outro avião. Mais espera. Tínhamos 40 minutos ainda. De novo dentro do avião parado. Os passageiros que tinham chegado de vôo internacional estavam desembarcando e não podiam misturar-se aos pobres passageiros domésticos. Saí correndo no aeroporto para o embarque. Graças a Deus o outro vôo atrasara também meia hora.
Passei dois dias nos EUA. Na volta, o vôo em que vínhamos tinha sido cancelado. Nova mão-de-obra para conseguir lugar em outro. Consegui e fiquei certo de que a coisa não é só no Brasil. O melhor é relaxar e desfrutar o doce prazer de voar com atraso.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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