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JOSÉ SARNEY
O doce prazer de voar
O TEMA voar anda na moda
no Brasil, ou melhor, em
crise. Uns chamam de apagão, na esteira do famoso racionamento de energia no princípio do
século que até hoje não consegue
sair da cabeça das pessoas. Mas, no
caso da aviação, não apagou nada,
só fez voltar aquela famosa frase do
tempo das intervenções militares,
em que, com prudência, uns diziam
bem escondido para outros: "Há algo mais no ar além dos aviões de
carreira". Agora faltam os aviões de
carreira, ficou o algo mais.
Tenho vivido na própria carne,
como diria o conselheiro Acácio,
estes tempos. Na Semana Santa, fui
ao Amapá e, com cuidado com os
atrasos, passamos a tarde toda confirmando a hora da partida:
20h30? Sim, 20h30. Uma hora antes de ir para o aeroporto, confirmei: o avião estava no horário.
Cheguei ao aeroporto e recebi logo
a primeira notícia: por questões
operacionais, o avião recebeu ordem de rumar para Recife e recolher os passageiros que estavam esperando, havia cinco horas, outro
vôo. Mas, para as 22h30, está confirmada a saída. Dez e meia veio outra notícia: agora é certo, meia-noite. O aeroporto estava cheio, revolta para todo lado. Um grupo me pediu: "Senador, consiga com a companhia um hotel para nós, estamos
há dez horas esperando e ninguém
dá notícia de nada". Fui ao balcão
da companhia e fiz o apelo, dizendo
aos revoltados: "Vejam a beleza da
democracia, todos somos iguais,
estou aqui na mesma situação de
vocês, sem saber a que horas vou
viajar. Desisti pela madrugada e
voltei para casa. No dia seguinte, a
mesma via-crúcis. Saímos com
duas horas de atraso. Fantástico,
sorte.
Há uma semana, fui aos Estados
Unidos. Suspense. Meu avião em
Brasília começou a atrasar. Finalmente, com a mesma sorte, conseguimos embarcar com uma hora de
espera. Dentro do avião. Nada
acontecia. O piloto avisou-nos de
que chegara atrasado devido ao engarrafamento no ar. Agora as conexões não chegavam. Mais uma hora
dentro do avião. Nosso limite apertara ao máximo. Chegamos a São
Paulo. O "finger" onde deveríamos
parar estava ocupado por outro
avião. Mais espera. Tínhamos 40
minutos ainda. De novo dentro do
avião parado. Os passageiros que
tinham chegado de vôo internacional estavam desembarcando e não
podiam misturar-se aos pobres
passageiros domésticos. Saí correndo no aeroporto para o embarque. Graças a Deus o outro vôo
atrasara também meia hora.
Passei dois dias nos EUA. Na volta, o vôo em que vínhamos tinha sido cancelado. Nova mão-de-obra
para conseguir lugar em outro.
Consegui e fiquei certo de que a
coisa não é só no Brasil.
O melhor é relaxar e desfrutar o
doce prazer de voar com atraso.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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