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São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

A missão de Meirelles

O controle da taxa de inflação de um país pela manipulação da taxa básica de juro nominal definida pelo Banco Central é produto de um longo aperfeiçoamento da política monetária e se baseia em alguns resultados teóricos comprovados de forma robusta pela pesquisa empírica dos últimos 50 anos.
Item nš 1 - Existe uma relação muito forte entre a taxa de crescimento da oferta de moeda e a taxa de inflação a longo prazo. Para entender a proposição, é preciso reconhecer que "a longo prazo" todos os efeitos não-monetários se esgotam e o que sobra é o efeito "puro" sobre os preços do aumento do estoque monetário que não deixa nenhum resíduo de crescimento ou no emprego. Tudo se passa como se tivesse havido apenas uma mudança na unidade de conta. Quando se transformam mil cruzados em um cruzado novo, nenhum preço relativo se modifica: apenas todos os preços de referência são divididos por mil. A longo prazo, quando todos os obstáculos ao ajuste são eliminados, verifica-se que as variações do estoque de moeda afetam apenas a taxa de inflação: não sobra nenhum efeito de longo prazo sobre o crescimento e o emprego. A longo prazo (que é o que interessa para o crescimento do PIB e do emprego), as variações da oferta de moeda são neutras;
Item nš 2 - A longo prazo, a taxa de juro real depende da preferência intertemporal dos agentes econômicos que decidem o que desejam consumir no presente e no futuro e da taxa de retorno físico da economia. A política monetária, para ser neutra, tem de procurar estabelecer uma taxa de juro real (taxa de juro nominal descontada da expectativa de inflação) que seja igual à taxa de juro real exigida pelo equilíbrio do sistema econômico no pleno emprego;
Item nš 3 - Como a longo prazo a política monetária não tem efeito sobre as variáveis reais da economia, seu objetivo deve restringir-se a produzir a maior estabilidade possível da taxa de inflação em níveis parecidos com as taxas dos parceiros internacionais;
Item nš 4 - O problema é que, a curto prazo, a política monetária, isto é, a manipulação da taxa de juros nominais (e as consequentes variações da liquidez da economia) tem efeitos sobre o nível de atividade porque há rigidez natural das variáveis reais. O que empiricamente se sabe é que esses efeitos não são contemporâneos: eles atingem o PIB num período variável (em torno de um ano) e, depois, a taxa de inflação (em torno de dois anos). A defasagem se deve ao fato de que é demorada a transmissão da variação da taxa de juros nominal de curto prazo, para a taxa de juro real de longo prazo que é a que modifica as disposições de consumir e investir.
A taxa de inflação anual do Brasil medida pelo IPCA manteve-se entre 6% e 7% de janeiro de 2001 a agosto de 2002, mas desandou no final do governo FHC. Em dezembro, chegou a 13%. A despeito dos dois aumentos de juros no governo Lula, ela hoje anda em torno de 17%, com expectativa declinante. O mercado espera para maio de 2004 uma taxa de 8,5%, que é a meta intermediária estabelecida para dezembro de 2003.
Dadas as defasagens registradas no Item nš 4, acima, o doutor Meirelles tem uma missão quase impossível...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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