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São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ser oposição

DENIS LERRER ROSENFIELD

Não é fácil ser oposição no Brasil! Os rumos do governo Lula, assumindo a ortodoxia nas políticas fiscal e monetária e rompendo com a sua fraseologia revolucionária, colocaram a oposição na difícil tarefa de repensar a sua atuação. Vimos, nestes primeiros meses, uma oposição que caminha trôpega, alguns logo caindo no fisiologismo, outros seguindo o seu caminho cambaleantemente, sem saber o que fazer. Chegou-se inclusive à inusitada situação de, quando se fala de oposição, mencionar-se a luta dos "moderados" petistas contra os "radicais", como se a oposição fosse PT x PT!
Há uma tendência entre os partidos de considerar os seus interesses como superiores aos do Estado. Frequentemente, as lutas pelo poder tomam a forma de um vale-tudo, sem que se faça uma pergunta básica: é a proposta boa ou não para o Brasil? Quando na oposição, o PT não hesitou em contrapor-se a medidas governamentais, contanto que aumentasse o seu capital político. O exemplo mais eloquente é o da reforma da Previdência, combatida pelos que hoje propugnam por sua aprovação. O próprio presidente se referiu a essas atitudes como "bravatas", tornando patente um comportamento irresponsável, porém eleitoralmente compensador. Ocorre, contudo, que os partidos de oposição não podem mais fazer uso desse mesmo instrumento, pois o PT tinha, outrora, uma credibilidade, a da "mudança", que o tornava confiável.
Ademais, o governo petista se apropriou da agenda tucana, colocando-se como uma continuação da era FHC. As reformas propostas pelo governo anterior são, agora, tidas por prioritárias. Logo, fica difícil para os tucanos e para o PFL oporem-se ao que era a sua agenda. Os outros partidos, por sua vez, foram habilmente cooptados pelo governo, na melhor tradição cartorialista brasileira. O que sobra, então, para a oposição?
Deve-se desconsiderar uma mera oposição pela oposição, pois essa política será ineficaz, exibindo um interesse partidário menor em relação ao interesse nacional. Assinalar as incoerências entre a prática governamental e as posições históricas do PT pode render frutos, sempre e quando não se esgotem apenas nisso, pois o próprio PT, pelos radicais, ocupa esse espaço. Verdadeiras alternativas, eis o nó da questão.
A área de segurança é uma das mais sensíveis do país, pois mostra a falência do Estado em assegurar uma de suas funções básicas, a paz pública. O governo anterior não tem nenhuma lição a dar, pois o atual está colhendo apenas os frutos do descalabro passado. Insistir abstratamente nos direitos humanos não produz tampouco nenhum efeito, se essa política for somente identificada aos direitos dos criminosos e presidiários. E as vítimas, não têm direitos?
Na área tributária, o PT está propondo uma reforma que, no conjunto, vai onerar o contribuinte, apesar da eliminação de alguns efeitos em cascata -mas não o maior deles, o da CPMF. Seguindo a linha do governo anterior, não haverá uma diminuição da carga tributária. Abre-se um amplo espaço para um partido que defenda os cidadãos contra a voracidade fiscal do Estado. O PFL tem se movido nessa direção.


Deve-se desconsiderar uma mera oposição pela oposição, pois essa política será ineficaz


Na área social, o governo ainda não disse ao que veio, pois o Fome Zero tem tido somente um efeito publicitário, sendo um programa inferior aos adotados pelo governo FHC, dado o seu caráter assistencialista. Além disso, o choque dos ministros da área, rivalizando em incompetência, abre um espaço a ser ocupado por propostas concretas de resolução dos graves problemas sociais do país. No entanto parece que os partidos de oposição não têm em seu histórico uma verdadeira preocupação social. A "direita" deve roubar a bandeira de uma "esquerda" que não sabe o que fazer com suas posições passadas!
Na área educacional, o governo anterior estabeleceu uma cultura de avaliação, concretizada pelo Inep e pela Capes, que parece conflituar com o que está sendo proposto. Políticas de apoio ao ensino básico foram implementadas e houve uma valorização dos professores universitários, via aumentos salariais, apesar de não ter havido progresso na questão estrutural das universidades públicas. Trata-se de um terreno muito movediço, pois propenso à ideologização e à demagogia. A discussão dessas questões é importante do ponto de vista de um projeto para o Brasil.
Na área econômica, a atual política monetária produzirá um menor crescimento do país e um aumento do desemprego. Logo, descortina-se aqui um espaço propício à inflexão da política atual com propostas concretas, que mostrem a compatibilidade entre a responsabilidade fiscal e o desenvolvimento. A corrente "desenvolvimentista" do PSDB tem um lugar a ocupar, da mesma maneira que os liberais podem propugnar por uma maior desregulamentação do Estado.
Por fim, o governo mantém uma política de defesa do MST, fazendo vista grossa à aplicação da MP que criminaliza as invasões de terras e não as coibindo. As desapropriações de terras, no Rio Grande do Sul, inscrevem-se numa mesma linha de apoio ao MST, fortalecendo as alas radicais do partido. Ora, o MST é o PT (revolucionário) do PT (social-democrata). Se os conflitos se agudizarem no campo, com o império da demagogia, abre-se às oposições uma esfera de atuação na defesa da democracia e do Estado de Direito.

Denis Lerrer Rosenfield, 52, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e editor da revista "Filosofia Política".
denisrosenfield@terra.com.br



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