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TENDÊNCIAS/DEBATES
À prefeita de São Paulo
JOÃO SILVÉRIO TREVISAN
Prezada senhora Marta Suplicy,
nos dois anos e meio do seu governo não se instaurou nenhum canal com
a comunidade homossexual, que votou
maciçamente na senhora. Por isso, enquanto membro dessa comunidade,
sou obrigado a apontar algumas incongruências no seu trato conosco.
A senhora tem um passado de propostas corajosas em relação às questões
homossexuais, especialmente na luta
solitária pela parceria civil registrada.
Sua atitude inovadora no passado nos
encheu de dignidade. Também é verdade que a senhora soube usar bem o
prestígio adquirido: graças à nossa luta,
projetou-se como a parlamentar mais
ousada do Brasil. Quando de sua eleição
para a prefeitura, criamos legítimas expectativas de políticas públicas inéditas
visando os direitos homossexuais. No
entanto, parece, trata-se de duas pessoas: aquela Marta Suplicy do Congresso Nacional e esta, prefeita de São Paulo.
A questão não é que a senhora nos privilegie, mas simplesmente que governe
também para cidadãos(ãs) homossexuais de São Paulo. O que pareceria óbvio não está ocorrendo. Logo no começo do seu mandato, a senhora se recusou a criar uma Coordenadoria Homossexual na cidade, a exemplo do que
já existe para mulheres, negros e adolescentes. Por duas vezes, respondeu ao vereador petista Carlos Giannazi, autor do
projeto de lei de criação desse órgão,
que iria resolver o assunto depois. Mas,
até hoje, não houve nenhum sinal de
políticas voltadas para nossa imensa
população homossexual.
Em São Paulo, os grupos de direitos
homossexuais não têm um local adequado para se reunirem, atenderem às
demandas da população GLT e articularem as políticas homossexuais para o
município. Urge um centro de convivência da comunidade homossexual.
No centro de São Paulo, encontram-se
centenas de edifícios vagos. Desde o começo de sua gestão, representantes homossexuais procuram órgãos municipais para propor a instalação do centro
de convivência num desses prédios. Foram mandados de lá para cá, até esbarrarem na Subprefeitura da Sé, que alegou desconhecer os edifícios. Ora, essa
conversa pra boi dormir mal dissimula
a má vontade. E não é um caso isolado.
Em junho de 2002, mais de 15 organizações de várias áreas, lideradas pela
Comissão de Direitos Humanos, realizaram na Câmara dos Vereadores um
seminário visando planejar políticas
homossexuais. Durante três dias, ocorreram palestras com especialistas, ao
mesmo tempo em que diversos grupos
de trabalho debateram problemas da
comunidade homossexual nas áreas de
saúde, trabalho, direitos e organização
política. No final, aprovou-se um documento com as conclusões. Apesar de
inúmeras tentativas, inclusive através
do então vereador Ítalo Cardoso, líder
do PT, até hoje a senhora não encontrou
tempo para receber a comissão que lhe
entregaria esse documento.
Não adianta ir à Parada do Orgulho Gay dizer palavras bonitas. Palavras uma vez por ano não bastam
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E há a questão do Autorama, o mais
antigo espaço de socialização gay de São
Paulo, vinculado ao parque Ibirapuera.
Há pouco, fomos informados, pela Secretaria do Meio Ambiente, de que num
futuro próximo o Autorama será fechado em definitivo. Ironicamente, quem
fez o comunicado foi um ex-líder homossexual, o mesmo que no ano passado lançou a esdrúxula idéia de transformar o Autorama num jardim gay, factóide visando alavancar sua malograda candidatura parlamentar. O Autorama, que resistiu à ditadura e às gestões conservadoras de Jânio Quadros, Maluf e
Pitta, está sendo extinto na administração da sra. Marta Suplicy.
Para discutir esse e outros assuntos,
vários grupos, entre os quais a Associação da Parada GLBT e o Núcleo de Gays
e Lésbicas do PT, protocolaram no seu
gabinete uma solicitação de audiência,
há mais de dois meses. Até agora tal encontro não ocorreu. Por acaso, soube-se
que o fechamento do Autorama foi
adiado para depois de 22 junho, data da
Parada do Orgulho Gay -senão a senhora prefeita seria vaiada, não é?
Se uma aliada da sua importância nos
dá as costas, como chamar essa atitude?
Traição? Vergonha de nós? Ou a senhora passou a achar, como tantos políticos
de direita, que assuntos relacionados
aos direitos homossexuais são de importância secundária? Se não pensa assim, é assim que tem agido. Por isso,
chega a ser constrangedor constatar como a senhora, apenas sai de São Paulo,
volta a ser aquela antiga Marta Suplicy
arrojada e amiga de homossexuais. Basta lembrar da bronca que deu em Anthony Garotinho, então candidato à
Presidência da República, por suas declarações homofóbicas. Não é oportunismo usar nossa luta só quando quer
parecer moderna, em período eleitoral?
Pois bem, a senhora tem só mais um
ano e meio de mandato. A continuar esse ritmo de descaso, para nós, homossexuais, sua gestão não terá sido diferente
das gestões mais conservadoras de São
Paulo. Não adianta ir à Parada do Orgulho Gay dizer palavras bonitas. Palavras
uma vez por ano não bastam. Se não as
transformar em ação, elas não significarão nada. E nós não estaremos fazendo
campanha para sua reeleição.
Não é impunemente que um político
dá banana aos seus aliados, sra. prefeita.
Responderemos no mesmo tom, com
uma admoestação: Otários, nunca mais.
João Silvério Trevisan, 58, escritor e roteirista,
é autor de "Devassos no Paraíso" e "Ana em Veneza" (ambos pela ed. Record).
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