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TENDÊNCIAS/DEBATES
Neocolonização da Amazônia
ALOIZIO MERCADANTE
Algumas vozes insistem na necessidade de uma segunda internacionalização da Amazônia. A tese é preocupante e absurda
A PRIMEIRA internacionalização da Amazônia ocorreu nos
dois últimos séculos, período
no qual os países desenvolvidos devastaram os seus biomas, sem pedir
licença a ninguém. Tal devastação,
que reduziu as florestas daqueles países a cerca de 2% da área original, aumentou a importância ambiental
mundial da Amazônia, cuja área intocada é de 83%. Assim, a floresta amazônica foi ambientalmente internacionalizada, graças a esse esforço de
destruição daqueles que hoje têm tocante preocupação com a preservação dos ecossistemas alheios.
De fato, o bioma amazônico possui
significativa relevância ambiental para esse mundo devastado, especialmente no que tange aos aspectos climáticos. Cientistas dizem que a floresta teria papel destacado na captura
do carbono atmosférico, função imprescindível para o combate ao efeito
estufa, e na "ciclagem da água", pela
qual é regulado o regime de chuvas.
Não fosse a Amazônia, essas funções relevantes para o equilíbrio do
clima mundial poderiam estar ainda
mais desbalanceadas, dada a destruição dos ecossistemas dos países desenvolvidos. Saliente-se que são justamente esses países os grandes responsáveis pelas mudanças climáticas
antropogênicas que ameaçam os biomas do planeta, inclusive a Amazônia.
Há, portanto, dívida ambiental das
nações industrializadas com os países
da bacia amazônica. Apesar disso, vozes do mundo desenvolvido insistem
na necessidade de uma segunda internacionalização da Amazônia. Desta vez, tratar-se-ia de internacionalização da jurisdição sobre a região.
No melhor estilo "fazei o que digo, e
não o que fiz", essa segunda internacionalização da Amazônia, com vistas
a transformá-la em santuário mundial, compensaria a primeira, resultado da predação que enriqueceu os
países industrializados.
A tese é preocupante, além de absurda. Porém, volta e meia autoridades importantes, como Al Gore e Pascal Lamy, bem como jornais de grande repercussão, como o "New York
Times", levam a sério esse disparate
neocolonial. Embora não seja provável que tal devaneio se transforme em
política de Estados, não se pode descartar que essa perspectiva neocolonialista se concretize em poderosos
mecanismos de pressão sobre os países amazônicos.
Por isso, creio que é chegada a hora
de o Brasil e os demais países da Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (OTCA), único organismo
multilateral com legitimidade para
decidir sobre o futuro da região, saírem de sua posição defensiva no debate sobre esse estratégico bioma e
lançar ampla ofensiva político-diplomática para envolver, sob diretrizes
soberanamente definidas, a comunidade internacional no desenvolvimento sustentável da Amazônia.
É preciso que fique claro que não é
do interesse do Brasil repetir o erro
das nações industrializadas e devastar a Amazônia. Porém, temos o dever
de promover o bem-estar dos 24 milhões de cidadãos que a habitam e assegurar o desenvolvimento sustentável da região.
Para tanto, precisamos rever o inviável modelo atual de ocupação da
Amazônia, baseado na expansão, sem
critérios, da pecuária extensiva e da
soja. Teremos de estabelecer zoneamento bem fundamentado da região,
de modo a promover a ocupação racional e o desenvolvimento equilibrado de suas áreas. Ao mesmo tempo,
deveremos tomar medidas para assegurar a soberania territorial, como a
revisão da leniente legislação que
possibilita a compra de vastas áreas
de solo nacional por estrangeiros.
O Brasil lançou a idéia de um fundo
voluntário para compensar os países
em desenvolvimento que reduzirem
as suas taxas de desmatamento. O novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, propôs o Fundo Amazônico.
São idéias boas. Mas, se quisermos
que os países desenvolvidos paguem a
sua alta dívida ambiental sem interferir na soberania nacional, precisaremos de iniciativas mais ousadas.
No Senado, propus a criação do
Fundo Mundial Ambiental, formado
pela cobrança de taxa de até 1% sobre
as importações, para financiar programas destinados à promoção do desenvolvimento sustentável, em especial na Amazônia. Se implantado, tal
fundo geraria receitas mundiais da
ordem de US$ 100 bilhões/ano, e de
US$ 1,2 bilhão/ano no Brasil.
Poderíamos, assim, enfraquecer os
delírios neocoloniais. Seria uma forma inteligente de promover a única
internacionalização da região que interessa ao Brasil: a internacionalização da qualidade de vida, com direito
a meio ambiente saudável e desenvolvimento.
ALOIZIO MERCADANTE, 54, economista e professor licenciado da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é senador da República pelo PT-SP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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