São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Neocolonização da Amazônia

ALOIZIO MERCADANTE

Algumas vozes insistem na necessidade de uma segunda internacionalização da Amazônia. A tese é preocupante e absurda

A PRIMEIRA internacionalização da Amazônia ocorreu nos dois últimos séculos, período no qual os países desenvolvidos devastaram os seus biomas, sem pedir licença a ninguém. Tal devastação, que reduziu as florestas daqueles países a cerca de 2% da área original, aumentou a importância ambiental mundial da Amazônia, cuja área intocada é de 83%. Assim, a floresta amazônica foi ambientalmente internacionalizada, graças a esse esforço de destruição daqueles que hoje têm tocante preocupação com a preservação dos ecossistemas alheios.
De fato, o bioma amazônico possui significativa relevância ambiental para esse mundo devastado, especialmente no que tange aos aspectos climáticos. Cientistas dizem que a floresta teria papel destacado na captura do carbono atmosférico, função imprescindível para o combate ao efeito estufa, e na "ciclagem da água", pela qual é regulado o regime de chuvas.
Não fosse a Amazônia, essas funções relevantes para o equilíbrio do clima mundial poderiam estar ainda mais desbalanceadas, dada a destruição dos ecossistemas dos países desenvolvidos. Saliente-se que são justamente esses países os grandes responsáveis pelas mudanças climáticas antropogênicas que ameaçam os biomas do planeta, inclusive a Amazônia.
Há, portanto, dívida ambiental das nações industrializadas com os países da bacia amazônica. Apesar disso, vozes do mundo desenvolvido insistem na necessidade de uma segunda internacionalização da Amazônia. Desta vez, tratar-se-ia de internacionalização da jurisdição sobre a região.
No melhor estilo "fazei o que digo, e não o que fiz", essa segunda internacionalização da Amazônia, com vistas a transformá-la em santuário mundial, compensaria a primeira, resultado da predação que enriqueceu os países industrializados.
A tese é preocupante, além de absurda. Porém, volta e meia autoridades importantes, como Al Gore e Pascal Lamy, bem como jornais de grande repercussão, como o "New York Times", levam a sério esse disparate neocolonial. Embora não seja provável que tal devaneio se transforme em política de Estados, não se pode descartar que essa perspectiva neocolonialista se concretize em poderosos mecanismos de pressão sobre os países amazônicos.
Por isso, creio que é chegada a hora de o Brasil e os demais países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), único organismo multilateral com legitimidade para decidir sobre o futuro da região, saírem de sua posição defensiva no debate sobre esse estratégico bioma e lançar ampla ofensiva político-diplomática para envolver, sob diretrizes soberanamente definidas, a comunidade internacional no desenvolvimento sustentável da Amazônia.
É preciso que fique claro que não é do interesse do Brasil repetir o erro das nações industrializadas e devastar a Amazônia. Porém, temos o dever de promover o bem-estar dos 24 milhões de cidadãos que a habitam e assegurar o desenvolvimento sustentável da região.
Para tanto, precisamos rever o inviável modelo atual de ocupação da Amazônia, baseado na expansão, sem critérios, da pecuária extensiva e da soja. Teremos de estabelecer zoneamento bem fundamentado da região, de modo a promover a ocupação racional e o desenvolvimento equilibrado de suas áreas. Ao mesmo tempo, deveremos tomar medidas para assegurar a soberania territorial, como a revisão da leniente legislação que possibilita a compra de vastas áreas de solo nacional por estrangeiros.
O Brasil lançou a idéia de um fundo voluntário para compensar os países em desenvolvimento que reduzirem as suas taxas de desmatamento. O novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, propôs o Fundo Amazônico. São idéias boas. Mas, se quisermos que os países desenvolvidos paguem a sua alta dívida ambiental sem interferir na soberania nacional, precisaremos de iniciativas mais ousadas.
No Senado, propus a criação do Fundo Mundial Ambiental, formado pela cobrança de taxa de até 1% sobre as importações, para financiar programas destinados à promoção do desenvolvimento sustentável, em especial na Amazônia. Se implantado, tal fundo geraria receitas mundiais da ordem de US$ 100 bilhões/ano, e de US$ 1,2 bilhão/ano no Brasil.
Poderíamos, assim, enfraquecer os delírios neocoloniais. Seria uma forma inteligente de promover a única internacionalização da região que interessa ao Brasil: a internacionalização da qualidade de vida, com direito a meio ambiente saudável e desenvolvimento.


ALOIZIO MERCADANTE, 54, economista e professor licenciado da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é senador da República pelo PT-SP.

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