São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2008

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Nem sim, nem não, muito pelo contrário

ROBERTO LUIS TROSTER
É emblemático: o início do ciclo de aperto monetário ocorreu no mesmo dia em que a Câmara aumentou sua verba de gabinete

A RÁPIDA elevação dos preços dos alimentos e dos combustíveis está atemorizando os analistas em todo o mundo. O cenário econômico internacional está se deteriorando, com perspectivas de taxas de juros mais altas e de um crescimento mais baixo. No Brasil, o quadro é semelhante: hoje, o Copom deve subir a taxa básica, e as projeções são de um crescimento menor em 2009.
Preocupa, é paradoxal.
É paradoxal porque as condições estruturais brasileiras deveriam apresentar inflação controlada, juros em queda e crescimento em alta.
A valorização do real combinada com a abertura econômica teve um efeito deflacionário contundente. A agricultura brasileira viveu uma revolução da porteira para dentro, com ganhos de produtividade consideráveis; o país tem a tecnologia mais avançada em biocombustíveis e as reservas de petróleo são volumosas. Entretanto, as perspectivas econômicas não estão em sintonia com a realidade. A explicação está na política do nem sim, nem não, muito pelo contrário.
A pressão inflacionária interna atual é recente e vem de um descompasso entre a demanda, exacerbada com o crescimento dos gastos públicos, e a oferta, comprimida pela baixa taxa de investimento e a ausência de reformas. Não vem da alta de preços dos alimentos nos mercados internacionais, pois seu impacto é baixo, em razão do câmbio. O ponto é que, como não há reformas e o governo aumenta sem parar, o freio da inflação tem que ser por meio de juros mais elevados e crescimento menor.
É emblemático: o início do atual ciclo de aperto monetário ocorreu no mesmo dia em que a Câmara aumentou de R$ 51 mil para R$ 60 mil a verba de gabinete usada para pagar o salário de funcionários contratados sem concurso. É uma das câmaras legislativas mais caras do mundo.
A situação é semelhante à que se observa no Executivo. O governo brasileiro é caro e sua eficiência é baixa.
Gastos maiores em Brasília são compensados com consumo menor no resto do país. Não é coincidência, mas o crescimento demográfico de Brasília é superior ao do país e sua renda ascende a taxas mais altas.
Quando o país crescia e os impostos eram baixos, São Paulo e Rio tinham as maiores rendas per capita do país.
Há 20 anos, a renda por habitante de Brasília era 33% superior à média brasileira. Atualmente, é a mais alta do país e é o dobro da média nacional.
O aumento coincidiu com o declínio da taxa de crescimento do país. O isolamento e a concentração de poder estimulam uma política de proteger direitos adquiridos e de formas de se apropriar de riqueza, em vez de políticas para estimular geração de valor.
A reforma tributária ilustra o ponto. A preocupação é proteger a receita das unidades da Federação, quando o correto seria focar no setor produtivo e na questão social. Itens importantes, como a estrutura de gastos públicos e de vinculações de receitas, a burocracia fiscal, a progressividade dos impostos e formas de reduzir a carga tributária, que deveriam ser o foco da reforma, são assuntos mencionados apenas esporadicamente. Agravando o quadro, o Congresso quer reintroduzir a CPMF. A composição de gastos é kafkiana, subsidia-se grandes empresas e cortam-se investimentos essenciais. Um despautério.
A Política de Desenvolvimento Produtivo, anunciada com pompa pelo governo, tem objetivos meritórios, como elevar a taxa de investimentos fixos, fomentar a inovação, aumentar a inserção internacional e estimular empresas exportadoras. Mas a um custo elevado e com benefícios limitados. Os instrumentos a serem utilizados são incentivos creditícios e subsídios tributários, o efeito é restrito ao valor dos incentivos, que, em última instância, incidem sobre toda a sociedade. É a repetição de uma fórmula ultrapassada. Uma mais eficiente e menos onerosa seria uma de mudanças institucionais, beneficiando todo o setor produtivo.
O cenário internacional nunca esteve tão favorável para o Brasil, mesmo com a crise do "subprime" nos EUA. Há liquidez considerável, taxas de juros internacionais baixas e preços para as exportações brasileiras elevados. O mercado interno é o décimo do mundo, o ambiente dos negócios é sofisticado, o sistema financeiro é moderno, as empresas são inovadoras, a agricultura brasileira é competitiva, mesmo com o câmbio valorizado, e há mão-de-obra, recursos naturais e vontade de crescer.
É uma oportunidade histórica. Vive-se um momento importante que impõe mudanças. É hora de trocar a política do nem sim, nem não, muito pelo contrário por uma focada em fazer acontecer.


ROBERTO LUIS TROSTER, 57, é doutor em economia pela USP e sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

robertotroster@uol.com.br


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