|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Nem sim, nem não, muito pelo contrário
ROBERTO LUIS TROSTER
É emblemático: o início do ciclo de aperto monetário ocorreu no mesmo dia em que a Câmara aumentou sua verba de gabinete
A RÁPIDA elevação dos preços
dos alimentos e dos combustíveis está atemorizando os analistas em todo o mundo. O cenário
econômico internacional está se deteriorando, com perspectivas de taxas
de juros mais altas e de um crescimento mais baixo. No Brasil, o quadro
é semelhante: hoje, o Copom deve subir a taxa básica, e as projeções são de
um crescimento menor em 2009.
Preocupa, é paradoxal.
É paradoxal porque as condições
estruturais brasileiras deveriam
apresentar inflação controlada, juros
em queda e crescimento em alta.
A valorização do real combinada
com a abertura econômica teve um
efeito deflacionário contundente. A
agricultura brasileira viveu uma revolução da porteira para dentro, com ganhos de produtividade consideráveis;
o país tem a tecnologia mais avançada
em biocombustíveis e as reservas de
petróleo são volumosas. Entretanto,
as perspectivas econômicas não estão
em sintonia com a realidade. A explicação está na política do nem sim,
nem não, muito pelo contrário.
A pressão inflacionária interna
atual é recente e vem de um descompasso entre a demanda, exacerbada
com o crescimento dos gastos públicos, e a oferta, comprimida pela baixa
taxa de investimento e a ausência de
reformas. Não vem da alta de preços
dos alimentos nos mercados internacionais, pois seu impacto é baixo, em
razão do câmbio. O ponto é que, como
não há reformas e o governo aumenta
sem parar, o freio da inflação tem que
ser por meio de juros mais elevados e
crescimento menor.
É emblemático: o início do atual ciclo de aperto monetário ocorreu no
mesmo dia em que a Câmara aumentou de R$ 51 mil para R$ 60 mil a verba de gabinete usada para pagar o salário de funcionários contratados sem
concurso. É uma das câmaras legislativas mais caras do mundo.
A situação é semelhante à que se
observa no Executivo. O governo brasileiro é caro e sua eficiência é baixa.
Gastos maiores em Brasília são compensados com consumo menor no
resto do país. Não é coincidência, mas
o crescimento demográfico de Brasília é superior ao do país e sua renda
ascende a taxas mais altas.
Quando o país crescia e os impostos
eram baixos, São Paulo e Rio tinham
as maiores rendas per capita do país.
Há 20 anos, a renda por habitante de
Brasília era 33% superior à média
brasileira. Atualmente, é a mais alta
do país e é o dobro da média nacional.
O aumento coincidiu com o declínio da taxa de crescimento do país. O
isolamento e a concentração de poder
estimulam uma política de proteger
direitos adquiridos e de formas de se
apropriar de riqueza, em vez de políticas para estimular geração de valor.
A reforma tributária ilustra o ponto. A preocupação é proteger a receita
das unidades da Federação, quando o
correto seria focar no setor produtivo
e na questão social. Itens importantes, como a estrutura de gastos públicos e de vinculações de receitas, a burocracia fiscal, a progressividade dos
impostos e formas de reduzir a carga
tributária, que deveriam ser o foco da
reforma, são assuntos mencionados
apenas esporadicamente. Agravando
o quadro, o Congresso quer reintroduzir a CPMF. A composição de gastos é kafkiana, subsidia-se grandes
empresas e cortam-se investimentos
essenciais. Um despautério.
A Política de Desenvolvimento
Produtivo, anunciada com pompa pelo governo, tem objetivos meritórios,
como elevar a taxa de investimentos
fixos, fomentar a inovação, aumentar
a inserção internacional e estimular
empresas exportadoras. Mas a um
custo elevado e com benefícios limitados. Os instrumentos a serem utilizados são incentivos creditícios e subsídios tributários, o efeito é restrito ao
valor dos incentivos, que, em última
instância, incidem sobre toda a sociedade. É a repetição de uma fórmula
ultrapassada. Uma mais eficiente e
menos onerosa seria uma de mudanças institucionais, beneficiando todo
o setor produtivo.
O cenário internacional nunca esteve tão favorável para o Brasil, mesmo com a crise do "subprime" nos
EUA. Há liquidez considerável, taxas
de juros internacionais baixas e preços para as exportações brasileiras
elevados. O mercado interno é o décimo do mundo, o ambiente dos negócios é sofisticado, o sistema financeiro é moderno, as empresas são inovadoras, a agricultura brasileira é competitiva, mesmo com o câmbio valorizado, e há mão-de-obra, recursos naturais e vontade de crescer.
É uma oportunidade histórica. Vive-se um momento importante que
impõe mudanças. É hora de trocar a
política do nem sim, nem não, muito
pelo contrário por uma focada em fazer acontecer.
ROBERTO LUIS TROSTER, 57, é doutor em economia pela
USP e sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), da ABBC e do
Banco Itamarati.
robertotroster@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Aloizio Mercadante: Neocolonização da Amazônia Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|