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JOSÉ SARNEY
O "orinó" de dom Pedro
Há uma frenética corrida no
país para regulamentar profissões. São dezenas de projetos
que diariamente chegam às
casas legislativas. Uns bons,
outros nem tanto. Mas os textos de todos excessivos na tentativa de dominar espaços exclusivos, que defendem território mais do que ursa no cio.
A primeira trombada que tiveram foi o Supremo Tribunal
Federal concluir que a Constituição não permitia exclusividade ao diplomado em jornalismo para escrever em jornais. Se é livre a manifestação
da opinião, a liberdade de
pensar e de escrever, como
restringir publicá-las?
No momento em que se torna exclusiva de um grupo profissional, excluímos aquilo
que é a fonte maior do jornalismo: o escritor. E isso é tanto
verdade que os intelectuais
do país foram afastados em
grande parte dos jornais,
morreram os suplementos literários e há anos estamos mergulhados somente na matéria
sensacionalista da mídia
impressa.
A internet, de certo modo, e
a decisão do Supremo estão
abrindo espaços neste mar de
obscurantismo que se tornou
a literatura brasileira dos últimos anos, ou até decênios.
Os jornais têm culpa, porque sempre foram eles os alavancadores das vocações que
surgiam e depois cresciam e
espalhavam talentos. Todos
os grandes escritores do século 19 e do século 20 passaram
pelos jornais e por eles foram
lançados. Hoje, o espaço destinado aos escritores é estreitíssimo ou inexistente.
Devemos repetir: os nossos
intelectuais estão afastados
da mídia impressa e se recolhem em guetos que atuam
para públicos específicos -o
maior e melhor deles a universidade.
Agora mesmo está no Congresso um projeto de lei regulamentando a profissão de
historiador. Assim, ninguém
vai poder escrever sobre história se não estiver enquadrado
dentro dessa profissão, incorrendo, quem quiser fazer novela, romance, ensaio ou estudo histórico para publicação,
em sanções por violação da lei
ou devendo se submeter aos
historiadores diplomados.
A fobia da regulamentação
me faz lembrar uma anedota
histórica, que não sei exatamente onde li, mas aventuro-me a dizer que foi no "Brasil
Anedótico", de Humberto de
Campos -o maior e mais lido
em todos os tempos como
mestre da crônica, idolatrado
no Rio de Janeiro.
Um nobre fora visitar dom
Pedro 2º, enfermo. Este, sentindo-se mal, pediu o "orinó".
O nobre gentilmente aventurou-se a buscar o vaso para o
soberano urinar. Foi violentamente interrompido pelo camareiro-mor (os nomes esqueci), que disse enérgico: "Quem
tem a honra e a atribuição de
levar o penico a Sua Majestade
sou eu". Estava regulamentado nos costumes da Corte.
Será que vamos retroceder a
esse tempo?
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
jose-sarney@uol.com.br
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