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OTAVIO FRIAS FILHO
Pentacampeões
Digamos que houve três etapas
míticas na história do futebol,
nossa principal contribuição, até agora, à humanidade. Numa primeira
etapa, a inventividade do futebol brasileiro mostrou que poderia haver
uma dimensão artística no "esporte
bretão", tão entediante quanto parcimonioso em tentos, o único esporte
em que uma partida pode terminar
em 0 x 0.
Essa nossa aptidão "natural" para o
futebol é um enigma sociológico cuja
resolução se encontra em algum lugar
entre a antropometria e a história social, pois não parece mera coincidência que a capoeira e o samba tenham
também origem afro-brasileira, o que
sugere alguma propensão para a coreografia dos membros inferiores.
Numa segunda etapa, iniciada pelo
futebol holandês de 1974, nosso futebol-arte revelou-se obsoleto perante
um esquema que compensava a ausência de habilidade "artística" por
meio de condicionamento físico e mobilidade tática sem precedentes. O futebol brasileiro entrou em eclipse e
abriu espaço a seu congênere, o futebol argentino.
Coutinho e Parreira foram os "intelectuais" que incorporaram os achados da reação defensiva desenvolvida
pelo futebol europeu após a sequência
58/62/70. Era necessário conciliar futebol-arte com futebol-força: essa polêmica atravessou duas décadas em
nosso ambiente cultural. Telê Santana
foi, talvez, o primeiro a demonstrar
que isso poderia ser feito.
O grande feito da "família Scolari"
foi consolidar a maturidade de nossa
supremacia nesse esporte, com a reconciliação ao que tudo indica permanente entre os termos do antigo antagonismo: espontaneidade e disciplina,
criação e técnica, talento individual e
esforço de equipe. Ora, em termos
simbólicos esse feito vai muito além
do futebol.
É isso o que explica certa sem-cerimônia quase arrogante dos pentacampeões na cansativa recepção, como se olhassem nos olhos de cada brasileiro para perguntar: "Fizemos a
nossa parte, somos os melhores do
mundo em nosso ramo. E você, como
está no ranking?". A chamada globalização do futebol torna esse efeito ainda mais pungente.
A utopia brasileira sempre foi combinar "sensualidade" com "eficiência". Por que não temos, como país,
metade do sucesso que alcançamos no
futebol? Reflexos das principais correntes de interesse e pensamento, os
candidatos darão diferentes respostas
a essa pergunta no segundo semestre,
por mais parecidos que se tornem pela
reengenharia publicitária.
O candidato do PT dirá que é necessário um choque social que possa modificar dois mecanismos perversos e
crônicos no Brasil: a reprodução da
desigualdade abissal e da dependência
exterior. Admitirá que a conjuntura
impõe limites severos à ação política,
tentará mostrar-se "responsável",
mas dirá que sua eleição marca o começo de uma mudança social pacífica.
O candidato do governo dirá que o
caminho dessa mudança passa pela
manutenção do rumo, prometendo
que sua capacidade gerencial vai agilizar o ritmo e corrigir falhas. O candidato alternativo dirá algo semelhante,
oferendo-se como alternativa autêntica. E, ao contrário do que acontece no
futebol, o torcedor terá de escolher.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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