São Paulo, terça-feira, 04 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Democracia e alternativa

QUEM DESEJA continuação do rumo atual do país, ainda que com maior eficiência no gasto público e compromisso mais forte com a educação, não quer ouvir falar em aprofundamento da democracia ou mobilização popular. Seriam desculpas para autoritarismo chavista.
Quem rejeita o receituário econômico e social dos últimos 25 anos propõe enriquecer a democracia representativa no Brasil com instituições que dêem alento ao impulso antioligárquico e que fortaleçam o potencial transformador da política. (Triste entre tantas tristezas é ver o partido de Leonel Brizola, paladino incansável da segunda diretriz contra a primeira, adotar o discurso do medo e da provocação direitistas, como sempre a serviço da defesa do modelo econômico.) Não há, entre nós, agora, divisão mais funda e reveladora do que essa.
Para compreendê-la melhor, veja-se a situação de um presidente brasileiro que, eleito para reorientar a trajetória nacional, queira honrar seu compromisso. Se ele se restringir a negociar com os grandes interesses organizados no Congresso e no empresariado, vira refém deles. Se ele apelar para as maiorias desorganizadas dos trabalhadores e da classe média, arrisca virar agitador cesarista, provocador de crise e predestinado a malogro. Dentro de nosso presidencialismo defeituoso e de nossa democracia relativa, o que ele tem de fazer é combinar essas duas práticas, atenuando os perigos de cada uma com a força da outra. Solução frágil, porque dependente das virtudes e das capacidades do presidente e de seus colaboradores.
A resposta não é substituir o presidencialismo que copiamos dos americanos por parlamentarismo que copiaríamos dos europeus. E que, instituído precocemente, tornaria a política ainda mais controlável pelos interesses dominantes ao privar a nação dessa alavanca sem par que é a eleição direta de presidente. O caminho, por enquanto, é consertar o regime que temos, dotando-o de mecanismos para a superação pronta dos impasses, por meio de eleições antecipadas ou de plebiscitos abrangentes, introduzindo nele elementos de democracia direta e participativa e revolucionando nossa cultura política graças ao financiamento público das campanhas, à adoção de Orçamento transparente e impositivo e à supressão da vasta maioria dos cargos públicos sujeitos a indicação política. E reforçar ao mesmo tempo, sob resguardo do Judiciário, as garantias das oposições e das minorias. Democracia de alta energia, organizada para deixar que o povo brasileiro respire, resista, ouse e inove.
www.law.harvard.edu/unger


ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Sergio Costa: Anti-racismo de butique
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.