São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A estratégia de quebrar o termômetro

REYNALDO FERNANDES


O Inep, responsável pelas avaliações nacionais, tem sido vítima de ataques por parte de quem não gosta do que as avaliações revelam


A CADA divulgação de avaliações educacionais universais, como a dos resultados da Prova Brasil e do Ideb, reacende-se o debate sobre os benefícios de fazer tais avaliações e de dar ampla publicidade aos seus resultados. Ainda que as experiências com esses procedimentos proliferem em todo o mundo e diversos estudos apontem que suas vantagens superam seus possíveis defeitos, alguns ainda resistem à idéia.
O Brasil implementou seu sistema federal de avaliação educacional no início dos anos 1990 e conta hoje com um sistema dos mais avançados. A principal medida para acompanhar a educação básica é dada pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que combina as notas da Prova Brasil com as taxas de aprovação, visando coibir tanto a reprovação indiscriminada para excluir do sistema os alunos de baixo rendimento quanto a prática de aprovar alunos que nada aprenderam para melhorar os indicadores de fluxo.
O Ideb foi, também, utilizado para estabelecer metas por redes e escolas e, assim, propiciar uma movimentação nacional para que até 2021 o Brasil atinja o estágio educacional atual dos países desenvolvidos. Existem críticos sérios das avaliações universais com ampla divulgação de resultados. As principais observações desses críticos estão relacionadas ao fato de o desempenho dos estudantes ser uma medida imperfeita da qualidade da escola.
Sabe-se, por exemplo, que a bagagem cultural dos estudantes é muito importante para o desempenho e, como o perfil dos estudantes varia entre escolas, sistemas de controle social poderiam gerar injustiças e desanimar professores que lidam com público mais carente. E, mais além, se as escolas forem cobradas pelo desempenho dos alunos, poderiam buscar meios inadequados para aumentar o desempenho médio dos estudantes, como excluir aqueles de baixo rendimento ou "estreitar" o currículo.
Esses argumentos, ainda que considerados, não invalidam a importância de avaliações universais. Informações relevantes sobre a eficiência de determinada escola podem ser obtidas pela comparação com outras escolas próximas e que tenham público similar. É possível adotar procedimentos para evitar a exclusão de alunos. Por fim, focar o currículo nos conteúdos do exame pode ser positivo, caso o exame se atenha aos conteúdos mais fundamentais.
Ademais, há estudos internacionais rigorosos avaliando experiências pioneiras de sistemas de controle social das escolas. Onde tais medidas foram adotadas, o desempenho dos estudantes tendeu a crescer de modo mais acelerado. Esses estudos não mostraram evidências claras de exclusão de estudantes de baixo rendimento.
De qualquer modo, esse é um bom debate a ser travado. Existe, entretanto, um outro tipo de crítico: aquele que não gosta do que as avaliações revelam. Se o resultado de uma avaliação não é do seu agrado, uma estratégia possível é desqualificar tanto a avaliação como os responsáveis por conduzi-las. A estratégia de quebrar o termômetro.
O Inep, órgão responsável pelas avaliações nacionais, tem sido vítima de ataques desse tipo. Ao se guiar por tais críticos, tem-se a impressão de que o corpo técnico do Inep é formado por profissionais incompetentes, irresponsáveis e, pior, que fraudam as avaliações com objetivos políticos.
É lamentável ver personalidades públicas adotar tal estratégia. O Inep trabalha seriamente pelas avaliações educacionais no país e possui reconhecimento internacional. Desacreditar a instituição é desacreditar as avaliações nacionais e, assim, comprometer a eficácia de um dos mais importantes instrumentos em prol da melhoria do ensino.
Erros são inevitáveis em avaliações em larga escala. De modo geral, esses erros decorrem de flutuações estatísticas e de dificuldades de campo e tendem a afetar uma parcela ínfima de escolas. Outro tipo de erro decorre de incorreções na prestação de informações, de responsabilidade de redes e escolas. Nesse caso, o Inep estabelece um período, após a divulgação, para que os informantes possam solicitar correção. Por fim, erros de processamento, que podem afetar um número maior de escolas, como ocorreu na Prova Brasil 2005, devem ser revistos. O Inep nunca se omitiu nessa questão, chegando a refazer todo o processamento para dar maior fidedignidade aos resultados.
É por isso que o Inep, ao chancelar os resultados obtidos pelos melhores profissionais do país na área de avaliação educacional, reafirma seu compromisso de produzir indicadores educacionais de qualidade, imunes a qualquer forma de parcialidade.


REYNALDO FERNANDES é presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, órgão do Ministério da Educação) e professor titular do Departamento de Economia da USP, em Ribeirão Preto.

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