São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2008

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Europeus de camisa amarela

ROBERTO MUYLAERT


Após enaltecer o time de 1958, a pauta segue com uma análise do mau futebol de hoje em contraste com o show da Copa da Suécia


A VITÓRIA na Suécia, oito anos após a derrocada de 1950, foi emoção insuperável, assim como acontecia quando se ouvia pela primeira vez "Chega de Saudade" com João Gilberto: futebol e música brasileira no auge.
O jornalista carioca João Luiz Albuquerque, sobrevivente -como eu- da Copa de 1950, é radical ao analisar a derrota naquela final: "Se houver uma futura Copa no Maracanã", disse-me ele, "e o adversário na final for o Uruguai, com o Brasil vencendo por 2 a 1, de virada, nem por isso terá sido apagada a mágoa no coração de quem esteve presente à derrota de 1950".
Sua frase é de alguns anos atrás, quando ainda não havia previsão de outra Copa a ser realizada no Brasil, com final no Rio de Janeiro, como ocorrerá em 2014. Depois de enaltecer o time de 1958, a pauta atual dos jornalistas brasileiros segue com uma análise do mau futebol do Brasil de hoje em contraste com o mítico show de bola da Copa da Suécia.
O Brasil se destacava no passado porque tinha um futebol diferente, solto, alegre, com jogadores desconhecidos na Europa, cujas habilidades apareciam só na hora das partidas, sem tempo para que aqueles "branquelos sem jogo de cintura" se recuperassem dos nossos gols relâmpago. Nossos craques atuavam aqui no país, e os poucos "estrangeiros" contratados por times lá de fora não eram chamados para a seleção.
Tenho certeza de que Pelé não teria sido Pelé se tivesse saído de Santos para o exterior em 1958, embora possa ser adaptado a ele, após a Copa da Suécia, o que foi dito por um crítico de arte sobre Picasso: "Se ele tivesse morrido depois de pintar "Les Demoiselles D'Avignon", em 1907, já teria sido o maior pintor do século 20".
Quando nossos jogadores se instalam na Europa, após algum tempo acaba a malícia das jogadas mais criativas. Os novos hábitos culturais e de consumo colocam minhocas, compromissos e muito dinheiro na cabeça deles. O frio tira o prazer das peladas a qualquer hora e em qualquer lugar.
A aculturação no exterior é feita em detrimento dos conceitos de brasilidade, não muito firmes na cabeça da maioria. As táticas, o preparo físico europeu e o jogo mais viril transformam o físico dos jogadores exportados em verdadeiros tanques de guerra, prontos para trombar, em vez das filigranas dos dribles que derrubam sem encostar. Vide a compleição física de Ronaldo, hoje, com a do menino que driblava no Cruzeiro, depois no PSV e no Barcelona.
Pelé fez 1.281 gols porque não foi para um clube estrangeiro. Permaneceu brasileiro, com o físico mantido até hoje. Ele, que, como uma metáfora pronta, nasceu no ano da construção do Pacaembu, 1940, um estádio bom de ver jogo, em que o craque do Santos brilharia como ninguém.
O físico do jogador brasileiro não tem massa corpórea avantajada nem muita altura, e os músculos, elásticos, ficam no lugar certo, como pede o jogo de futebol. Com isso, os dribles desconcertantes e ágeis estão presentes e a cabeçada consegue vencer os defensores mais altos, provocando comentários como o do zagueiro Fachetti, da Itália, após o primeiro gol de Pelé na final da Copa de 70: "Nós dois subimos juntos, a força da gravidade me puxou para baixo, mas Pelé ficou lá em cima e fez o gol de cabeça".
Por outro lado, a quantidade de jogadores revelados por aqui continua sendo imensa. Só que eles são promovidos a "estrela" sem ter tido tempo de consolidar a carreira. Em seguida, seguem para o exterior.
Os bons atletas ficam pouco tempo no Brasil. Na hora de convocar a seleção, não sobra ninguém com carreira consolidada por aqui, daí a "Legião Estrangeira" -dando entrevistas com sotaque- que acaba convocada à Granja Comary, em Teresópolis, aonde chega de terno Armani e bagagem Louis Vuitton em busca de uma brasilidade já distante, com exceções.
Quando o tempo passa, o louvável amor à camisa canarinho se atenua, as referências mudam e as razões para vibrar por seu país esmaecem. Não há solução imediata para esse problema, que leva o Brasil a atuações apáticas. Mas nunca é demais lembrar que um pouco mais de ordem e seriedade por parte dos dirigentes do futebol brasileiro ajudaria bastante.


ROBERTO MUYLAERT, 73, jornalista e editor, é presidente do Conselho do Museu do Futebol, instalado no Pacaembu (SP). É autor dos livros "Barbosa", sobre o goleiro da Copa de 1950, e "A Copa que Ninguém Viu", com Armando Nogueira e Jô Soares, sobre a disputa de 1954. Foi presidente da TV Cultura de São Paulo e ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (governo FHC).

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