São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Comércio exterior, um grande desafio

RUBENS BARBOSA


O futuro governo assumirá em janeiro com uma concentrada e complexa agenda de negociações externas

Levando em conta as declarações públicas e os programas de governo dos candidatos nas próximas eleições para presidente, o comércio exterior deverá ser encarado, pelo futuro governo, como a principal prioridade para a implementação de uma política de crescimento sustentado que crie empregos e aumente a produção.
Sem perder de vista a necessidade de ampliar e desenvolver o grande potencial do mercado interno, o comércio exterior será um fator decisivo para a necessária redução do déficit nas contas correntes pela via da expansão das exportações e geração de saldos na balança de comércio.
Com a redução do investimento direto, em virtude da conjuntura internacional e da diminuição dos fluxos para os países emergentes, o aumento das exportações passou a ser uma prioridade inadiável. Além do aumento das exportações e da geração de saldos na balança comercial, o futuro governo, logo nos primeiros meses, deverá tomar relevantes decisões em relação às negociações comerciais multilaterais na OMC, para a Alca, regionais (Mercosul) e bilaterais (acordos com China, Rússia, Índia, África do Sul).
O Brasil deverá aumentar suas exportações, apesar do meio ambiente hostil, derivado da queda dos preços das commodities, do baixo crescimento das principais economias desenvolvidas e das crescentes dificuldades de acesso aos mercados mais importantes.
Para isso, três dos principais candidatos à Presidência estão propondo reformular o processo decisório, com a criação de um órgão que ficará responsável pelo comando e pela coordenação da política de comércio exterior, tanto interna quanto externa.
Concordam os candidatos também que a política de comércio exterior deverá ser mais agressiva e pró-ativa, não só na promoção comercial dos produtos brasileiros no exterior, como na defesa dos produtos brasileiros afetados por medidas restritivas e protecionistas nos mercados dos países desenvolvidos, em especial na Europa e nos EUA.
O futuro governo assumirá em janeiro com uma concentrada e complexa agenda de negociações externas, como em nenhum outro momento da história política do Brasil. A complexidade não se dá apenas em razão da interligação entre as diversas negociações, mas especialmente porque essas definições terão efeito sobre políticas industriais, agrícolas, de investimento, de compras governamentais, de comércio eletrônico, de propriedade intelectual, entre outras.
Essas decisões, que deverão ser tomadas nos primeiros dias e meses de governo, têm como fundo um quadro de negociações negativo, em virtude das crescentes medidas restritivas e contrárias ao livre comércio, como as adotadas recentemente na Europa e nos EUA, sobre aço e subsídios agrícolas, e a aprovação da autorização do Congresso norte-americano para o presidente negociar acordos comerciais que limitam a margem de manobra dos negociadores norte-americanos (TPA, ou "fast track"). Na prática, isso torna mais difícil obter, ao final das negociações, resultados equilibrados, tanto na área de acesso a mercado quanto no aperfeiçoamento das regras (antidumping, salvaguardas e subsídios).
Para aumentar a competitividade dos produtos brasileiros, caso não seja aprovada até o final do ano, o futuro governo deverá negociar uma reforma tributária limitada, com vistas à eliminação de impostos que oneram a produção e a exportação. Em certos setores, quando esses impostos desaparecerem, a competitividade dos produtos brasileiros aumentará entre 5% e 15%.
Em termos da negociação externa, existe, entre os programas anunciados até aqui pelos candidatos, uma grande convergência no tocante à prioridade das negociações externas. A estratégia de continuar os entendimentos nas várias frentes -multilateral, hemisférica, regional e bilateral- deverá ser mantida, segundo pronunciamentos dos postulantes ao Planalto.
Com relação ao Mercosul, os candidatos concordam ser de interesse do Brasil preservá-lo e fortalecê-lo. O modo como caminhar nessa direção, contudo, tem nuances entre os candidatos, e ainda não se pode dizer claramente quais seriam as estratégias definidas.
Quanto à Alca, a exemplo dos EUA, empresários (como mostra recente estudo da Fiesp), sindicatos, Congresso e mídia estão divididos. Há consenso entre os candidatos quanto a seguir negociando, mas, cada vez mais, em vista do novo quadro restritivo e protecionista nos principais mercados desenvolvidos e no Congresso norte-americano, fica a dúvida sobre se os prazos decididos até aqui para as diferentes etapas da negociação e para sua conclusão serão mantidos e se os resultados vão atender ao interesse nacional de crescimento econômico por meio do aumento das exportações e da geração de saldos na balança comercial.
O governo e o Congresso norte-americanos têm uma visão clara de suas prioridades. É oportuno lembrar o artigo primeiro do TPA (Trade Promotion Authority - Autorização para a Promoção Comercial):
"A expansão do comércio internacional é vital para a segurança nacional dos EUA. Comércio exterior é um elemento crítico para o crescimento econômico, o poderio e a liderança dos EUA. A segurança nacional dos EUA depende de sua segurança econômica, que, por sua vez, está alicerçada em uma vibrante e crescente base industrial. Os acordos comerciais devem maximizar as oportunidades dos setores mais importantes da economia."
A prioridade que o futuro governo deverá dar ao comércio exterior terá certamente influência na atitude que, nos próximos anos, o Brasil adotará, em todos os níveis de negociação externa, na defesa dos interesses nacionais.


Rubens Antonio Barbosa, 63, diplomata, é embaixador do Brasil em Washington. Foi presidente do Comitê de Representantes da Associação Latino-Americana de Integração (1991-92), coordenador nacional do Mercosul (1991-93) e embaixador no Reino Unido.


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