São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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Inquietudes do câmbio flutuante

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA


Os fatos estão nos indicando, claramente, que precisamos criar um mercado de capitais forte, sadio e dinâmico

Quando iniciei minha atividade na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), em 1977, mantive estreito contato com o Banco Central, do qual a Comissão de Valores herdou várias atividades. Na ocasião, o presidente do Banco Central era o Paulo Pereira Lyra, que havia sido meu professor na Faculdade Nacional de Economia, como assistente que foi de Antônio Dias Leite.
Meu convívio não apenas com o Paulo, mas também com Sérgio Augusto Ribeiro e Fernão Bracher, amigos queridos até hoje, foi de extrema importância para que a CVM pudesse ser instalada em tempo recorde.
Lembrei-me do Paulo em função das turbulências que estamos enfrentando nas últimas semanas com a grande volatilidade do mercado cambial.
Não creio que o maior dos pessimistas ou o especulador mais ousado pudessem prever que, ao final do mês de julho, a relação dólar/real seria de 3,47, com uma desvalorização do real de 50% em sete meses. Independentemente de fatores externos (maior aversão ao risco) e das reconhecidas razões internas (sendo as principais perfil do endividamento e tensões pré-eleitorais), o fato é que temos um clássico caso de grande falta de liquidez no mercado.
Há um excesso de demanda e o fluxo de capitais foi interrompido. Fora da demanda normal dos importadores, os vencimentos de títulos emitidos no exterior por empresas brasileiras têm sido um fator de pressão adicional. Não podendo renová-los parcial ou totalmente, pelas razões anteriormente expostas, as empresas são obrigadas a se financiar localmente e entrar no mercado para compra das divisas.
Paulo Lyra tinha uma grande preocupação com situações como essa que estamos atravessando. Fazia com Fernão previsões de fluxo de caixa para se certificar de que, no vencimento, haveria recursos para atender os compromissos. Ele relutou muito em permitir a aplicação dos fundos estrangeiros em Bolsa. Temia que os movimentos coletivos em mercado estreito, como era o da nossa Bolsa, provocassem uma erosão nos preços e uma forte pressão cambial.
Evidentemente, os tempos são outros. Seria impossível hoje imaginar um controle cambial que o Banco Central exercesse com aquela precisão. Câmbio praticamente livre, transmissão de fatos em tempo real, taxa de risco-país, agências classificadoras de risco estão aí para ficar. Os movimentos de capitais são imprevisíveis e estes se comportam como manadas, na entrada ou na saída. Ficamos à mercê de seus humores e percepções.
Existem momentos em que estão dispostos a nos ouvir. Em outras ocasiões, viram as costas e os mesmos fatos e dados não inspiram nenhuma credibilidade. É como se olhassem a mesma fotografia sob outro ângulo! Com a piora, as preocupações aumentam. Forma-se um círculo vicioso. A realidade é que, sendo um país em desenvolvimento (ou "emergente", como está na moda), com instituições ainda em fase de consolidação, ficamos à mercê de circunstâncias fora de nosso controle.
Não pensem os meus pacientes leitores que estou defendendo o fechamento do mercado ou alguma limitação dos recursos para a Bolsa. Muito menos abrir mão do sistema de câmbio flutuante -certamente, de todos os que já testamos, o menos ruim, apesar de, em momentos como o atual, nos obrigar a um grande teste de resistência.
No entanto os fatos estão nos indicando, claramente, que precisamos criar um mercado de capitais forte, sadio e dinâmico, que permita às empresas se refinanciarem internamente sem terem que ficar na dependência dos humores e disponibilidades de financistas internacionais, nem sempre bem-intencionados ou isentos de interesse.
Também não podemos ficar passivos, esperando o que o FMI possa fazer. Reformas adiadas deveriam ser colocadas na ordem do dia.
Não é possível ficarmos de braços cruzados nos próximos meses, esperando o tempo passar. As reformas inacabadas têm que ser retomadas. Nosso Congresso precisa atuar urgentemente.


Roberto Teixeira da Costa, 67, economista, fundador e vice-presidente do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), é membro do Conselho de Administração do Banco Itaú. Foi presidente do Ceal (Conselho Econômico da América Latina) e o primeiro presidente da CVM.


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