São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2007

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O TSE e a fidelidade

Na ausência de resposta legislativa para questão da fidelidade partidária, corte eleitoral escolhe um meio ruim de instituí-la

O TRIBUNAL Superior Eleitoral (TSE) insiste. Em resposta a uma consulta administrativa, os ministros da corte afirmaram nesta semana que deputados que trocaram de sigla após a eleição poderão perder o mandato. A tese já fora prenunciada numa outra consulta, respondida em março, quando o TSE disse que o mandato obtido em eleição proporcional pertence ao partido, e não ao parlamentar.
Esta manifestação desencadeou uma chuva de ações no Supremo Tribunal Federal, propostas por siglas de oposição que tentam apoderar-se das cadeiras de deputados federais que abandonaram a agremiação depois de eleitos. A corte máxima ainda não se pronunciou sobre o assunto. No total, 32 membros da Câmara já trocaram de partido na presente legislatura, nove deles depois da consulta de março.
Poucos contestam a idéia de que é preciso reforçar os mecanismos de fidelidade partidária. Fazê-lo daria maior densidade ideológica às agremiações e as tornaria mais confiáveis nas negociações com o governo. Só que há os meios certos e os errados de implementar essa mudança. O TSE escolheu uma via ruim.
Numa democracia, até a mais necessária das reformas precisa ser adotada observando-se determinados ritos. Cabe ao Legislativo aprovar leis. O TSE não deveria, em resposta a uma simples consulta, criar normas que não estavam explícitas nos códigos.
Para que um parlamentar perca o cargo se deixar a legenda pela qual foi originalmente eleito, é preciso que os interessados sejam informados da existência de tal regra antes de sua aplicação. Assim dispõe o princípio do "Nulla poena sine lege" (não há pena sem lei anterior que a defina).
A decisão do TSE, se encontrar guarida no Supremo, não só permitirá que parlamentares sejam cassados retroativamente como ainda que venham a sê-lo por adotar práticas sancionadas desde sempre pelos usos e costumes políticos e pelos próprios tribunais, que jamais incomodaram nenhum congressista trânsfuga.
Daí não decorre que, nessa história toda, deputados sejam vítimas injustamente perseguidas por juízes com tendência a usurpadores. A decisão dos ministros do TSE se explica em parte pelo descompasso entre as leis eleitorais e os justos reclamos da população por mudanças, as quais não ocorrem porque não convêm aos interesses particulares da maioria dos parlamentares.
Tramitam no Congresso vários projetos que reforçariam a fidelidade partidária. O mais interessante deles, que tem o apoio desta Folha, é o que estenderia para quatro anos o prazo mínimo de filiação partidária para que um cidadão possa candidatar-se. No caso de um deputado, o custo de trocar de legenda seria abrir mão da reeleição. Trata-se de mecanismo com alto potencial de inibir o vaivém entre legendas preservando, ao mesmo tempo, o direito à discordância.
Lamentavelmente, propostas como essa -que requer aprovação por maioria simples para tornar-se lei- não são chanceladas porque subtrairiam dos deputados o "direito de trair".


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