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RUY CASTRO
Copa literária
RIO DE JANEIRO - Com atraso de
um mês em relação às datas em que
sempre se realizou, começa hoje a
Flip (Festa Literária Internacional
de Paraty). O motivo do adiamento
foi a Copa do Mundo. Os organizadores não queriam correr o risco de
que a Copa, que mobiliza o país e
toma a cabeça das pessoas, esvaziasse a Flip. Ou a Flip, quem sabe,
esvaziasse a Copa.
Imagino que este seja um fenômeno apenas brasileiro: um evento
literário -um festival de escritores,
daqui e de fora, entregues a altas
prosopopeias com críticos e ensaístas- curvar-se a um evento de futebol, como se seus públicos não fossem distintos e não houvesse quorum para que acontecessem ao
mesmo tempo. Significa que no
Brasil o público dos livros e do futebol é um só e não pode ser dividido.
Na Europa é diferente. Não apenas as feiras literárias, como os congressos científicos, os simpósios
empresariais e toda espécie de colóquio continuaram a se dar enquanto Casillas, Forlán, Sneijder e o polvo Paul brilhavam em campo ou no
aquário. A vida seguiu normalmente. Pode crer -eu estava lá.
Em alguns países, a Copa não
atrapalhou nem mesmo outros
eventos esportivos. Na França, antes mesmo que sua seleção fosse
despachada, a TV já dava dez vezes
mais espaço ao Tour de France. Na
Inglaterra, idem, a Wimbledon.
Nos canais esportivos de Portugal e
Espanha, era mais fácil acompanhar torneios de pôquer ou sinuca
do que saber o resultado de um jogo
de Gana. E não faltou nem a reprise
dos Jogos de Inverno do Canadá,
com suas palpitantes competições
de chaleira no gelo.
Já posso imaginar o Brasil sede
da Copa em 2014. Não só a Flip terá
de ser adiada de novo. Tudo o mais
-governo, Congresso, tribunais,
bancos, escolas, fábricas, igrejas,
imobiliárias, alfaiates, despachantes, dentistas, veterinários, manicures, mata-mosquitos- vai parar
por um mês.
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