São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

O social

O presidente Fernando Henrique Cardoso tem justificada vaidade de sua obra intelectual e de seu desempenho no comando da nação. Sempre atento e muito sensível às críticas (que nunca economizou quando foi oposição), ele parece enfurecer-se quando dizem que não cuidou especialmente do social na sua octaetéride. Usando o restinho da paixão pelo debate que sobrou ao professor e o formidável poder que a mídia confere às suas palavras, abusa, com frequência, dos seus opositores, metendo-lhes qualificativos ferozes. Quem ousasse dizer que a política cambial de 1995 e de 1998 nos levava para o desastre era apenas catastrofista, neobobo ou ignorante...
Tudo isso é irrelevante, porque os fatos estão aí e, por mais que sejam torturados, eles não depõem com entusiasmo a favor do governo. A disputa sobre o avanço social, por exemplo, pode ser resumida na observação de um indicador, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que sintetiza o aumento da renda per capita, o aperfeiçoamento na área da educação e o progresso na área da saúde. Entre 1995 e 2000, o Brasil avançou: o índice passou de 0,734 para 0,757, mas ainda ficou abaixo do IDH médio da América Latina e do Caribe (0,767). Justifica isso o acendimento do governo? Claramente, não. O IDH do Brasil vem aumentando desde sempre, como se vê no gráfico. Pode-se afirmar que houve uma aceleração no avanço do IDH? Também não! O governo FHC não fez, nesse particular, nada significativamente diferente do que fizeram os seus antecessores desde 1985, cada um a partir da base encontrada. A diferença entre a classificação da renda per capita (60º) e a do IDH (73º) em 2000 continua a revelar menor ênfase no social, bastando lembrar que o brasileiro ocupa o 103º lugar no mundo em expectativa de vida ao nascer... Houve uma contestação governamental dos dados, mas nada se disse sobre o suspeito avanço do PIB per capita (em "poder de compra"), ao qual se deve, basicamente, a melhoria do IDH.




O governo insiste que o "cartão do cidadão" é o símbolo da mais efetiva rede de proteção social já construída, que transfere R$ 30 bilhões para mais de 30 milhões de pessoas por ano. Descontados, entretanto, os programas que já existiam, as transferências de renda do governo federal atingem 14 milhões de beneficiários (75% recebem o bolsa-escola e o bolsa-alimentação), com um dispêndio de menos de R$ 3 bilhões, qualquer coisa como R$ 17 por mês para cada cidadão.
Há de ser pelo menos permitido duvidar dos benefícios de longo prazo dessa política assistencialista. Ela substituiu o emprego que se destruiu por um óbolo que escraviza o cidadão ao poder incumbente. E ainda tem sido utilizada para assustar o eleitor com a ameaça de que o "seu cartão-cidadão será cancelado se não votar no governo na próxima eleição", o que deveria, aliás, ser objeto da atenção da Justiça Eleitoral.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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