São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A cúpula sequestrada
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
A mensagem é esta, e é perturbadora: o mercado é a única solução para os problemas do desenvolvimento sustentável; a única solidariedade possível é a que é voluntariamente promovida pelo mercado; não há incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e crescimento econômico, pelo contrário, são gêmeos. Prova disso: se os milhões de doentes de Aids não podem comprar os medicamentos de marca, a solução está no financiamento internacional da sua venda, e não nos genéricos. Em dez anos as empresas multinacionais cooptaram o discurso ambiental da participação e da sustentabilidade, aprofundaram as suas alianças com os Estados dos países ricos e com a própria ONU e reduziram as soluções possíveis. Em suma, sequestraram os objetivos do desenvolvimento sustentável. As principais ilações a tirar desse fracasso são as seguintes: Primeiro, a globalização neoliberal está mais forte do que nunca. A guerra contra o terrorismo foi o seu mais recente reforço e os EUA estão usando essa guerra para consolidar uma hegemonia que, em termos estritamente econômicos, estava sendo questionada. Em segundo lugar, a União Européia está enfraquecida e dividida, por várias razões: pelo impacto da guerra contra o terrorismo, pela continuada influência dos agricultores ricos, pela pressão do capitalismo europeu para que a UE deixe aos EUA o "trabalho sujo" do imperialismo mais grosseiro, mas não deixe de se aproveitar dele. Em terceiro lugar, os Estados reformularam o seu papel no desenvolvimento, diminuindo a sua intervenção direta e se transformando em árbitros entre as empresas multinacionais e a sociedade civil organizada. Tal como aconteceu antes, em nível nacional, quando o Estado pretendeu ser o árbitro entre o capital e o trabalho, esta nova arbitragem é estruturalmente enviesada a favor das empresas multinacionais. Finalmente, em quarto lugar, os países pobres estão divididos -tanto os Estados como as ONGs-, e foi divididos que se apresentaram em Johannesburgo. Apesar de ser a própria ONU quem declara que, se todo o mundo tivesse o mesmo nível e o mesmo tipo de desenvolvimento dos países ricos, seriam necessários dois planetas e meio para garantir a sustentabilidade, muitos países e ONGs do Sul acreditam que este modelo um dia os beneficiará. A divisão é notória e particularmente deletéria nas seguintes questões: a inversão das transferências líquidas do Sul para o Norte, propiciada pelo modelo econômico em curso; democratização das instituições financeiras multilaterais; reforma e reforço da ONU; reforma da Organização Mundial do Comércio segundo o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas e a centralidade dos acordos ambientais multilaterais; a revisão urgente dos regimes de direitos de propriedade intelectual; a reforma do sistema financeiro global; a centralidade da reforma agrária e do acesso à terra, das políticas de saúde e de educação; a centralidade da sustentabilidade, quando metade dos postos de trabalho do mundo estão na agricultura, nas florestas e nas pescas. A divisão dos países do Sul, quer dos Estados, quer das ONGs e movimentos sociais, tem de ser urgentemente atenuada através de: 1. Aumento da participação democrática, tanto no interior dos Estados como no das ONGs e movimentos sociais e; 2. Articulações e alianças transnacionais com objetivos concretos. A meu ver, a importância do próximo Fórum Social Mundial, que se realizará em Porto Alegre no final de janeiro de 2003, reside precisamente na sua capacidade para identificar as diferenças e procurar pontes entre elas. E, depois do que se passou em Johannesburgo, a razão da esperança para o fórum está no fato de ser a única reunião internacional sobre temas da globalização em que as empresas multinacionais não têm poder para estabelecer a agenda e definir os critérios de ação. Boaventura de Sousa Santos, 61, sociólogo, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Paulo Roberto de Miranda Uchôa: Despertar e agir Índice |
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