São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Despertar e agir

PAULO ROBERTO DE MIRANDA UCHÔA

Todos os dias os jornais noticiam a escalada da violência provocada pelo tráfico de drogas. Reproduzem o enfrentamento entre bandidos, entre eles e a polícia e a parte mais cruel: os muitos inocentes que perdem a vida no meio dessa guerra ou ficam ilhados em consequência dela, dentro ou fora dos morros.
Todas as nações concentram atenção, hoje, na busca de respostas para acabar com esse mal. Mandam policiais às ruas, armam suas estratégias de combate, importantes e necessárias, mas incapazes de, sozinhas, vencerem o problema ou reduzi-lo significativamente. O combate às drogas é mais um exemplo clássico de uma velha máxima brasileira de que é preciso cortar o mal pela raiz.
E a arma a ser usada nesse caso também pode parecer óbvia, mas não é. Só com mobilização e conscientização de todos conseguiremos sair do 0 a 0 nesse enfrentamento. O consumo de drogas não diminui após a prisão de um traficante ou até de uma quadrilha inteira. Enquanto existirem usuários e dependentes, haverá o narcotráfico e suas consequências nefastas.
A ação policial é fundamental, mas deve ser acompanhada de outras que preparem o jovem para ter condições de dizer não quando apresentado à primeira porção de droga. Subsidiá-lo para que conheça os males do vício.
Não temos ilusões de que as ações educativas, por si só, podem extinguir o narcotráfico, mas podem reduzi-lo, tal qual aconteceu com o consumo de tabaco entre os adolescentes depois das campanhas antitabagistas. Já será uma vitória. É simples e possível. E a distância entre o simples e o possível é o engajamento de todos. É o comprometimento da própria sociedade, com seus segmentos organizados, envolvendo as famílias, as escolas, as igrejas, os locais de trabalho, as ONGs, enfim, as lideranças comunitárias.
Destaque-se a imprescindível participação da mídia e das diversas esferas do Poder. Tudo isso com o espírito de que o enfrentamento do problema não é uma questão deste ou daquele governo. Essa é uma conclusão fácil de extrair da Política Nacional Antidrogas. Sabemos que o traficante não obriga ninguém a comprar droga. Ele identifica os pontos fracos da pessoa, suas vulnerabilidades e, então, com inteligência, induz ou seduz ao uso. Por que não podemos fazer o mesmo?


Não temos ilusões de que as ações educativas, por si só, podem extinguir o narcotráfico, mas podem reduzi-lo


Assumamos que temos nossos pontos fracos. Vamos identificá-los e torná-los fortes, criando um escudo protetor contra a sedução. Há que perguntar: Não será preciso grande soma de dinheiro?
Fácil é entender que as ações de prevenção, principalmente a primária, na qual se destacam a educação, a informação e a capacitação, são as que menos necessitam de recursos. E as únicas que chegam antes da droga. Mais do que dinheiro, as ações de conscientização dependem de envolvimento de todos, como já foi dito.
Que não se pense que há fórmula mágica para isso, tampouco que elas sejam acertadas e implementadas dos gabinetes de Brasília e só por eles. É responsabilidade de todos. E, para que as ações tenham efeito, precisam ser descentralizadas e regionalizadas. Por isso temos insistido na constituição de conselhos municipais antidrogas, os chamados Comads. É a forma institucional de as autoridades municipais assumirem sua cota de responsabilidade.
É no município que o usuário vive, adquire a droga e é lá, também, que faz uso dela. Por intermédio dos Comads, os municípios terão canal direto com os conselhos estaduais e a Secretaria Nacional. Surpresa é que instrumento de tamanha importância para a questão das drogas ainda tenha tão pouca adesão. O número de conselhos já constituídos não chega a um quinto dos mais de 5.000 municípios brasileiros.
É preciso ter pressa. Convém ressaltar que todos os jovens, sem exceção, terão um momento em suas vidas -talvez o mais importante delas- em que deverão decidir se querem ou não usar drogas. E esse momento virá, mais cedo ou mais tarde, neste ou naquele lugar. E como poderemos estar presentes nesse momento? O que fazer para não sermos omissos?
Simplesmente criando condições para que ele decida com informação, conhecimento e maturidade. Com a sociedade mobilizada e capacitada, principalmente nos níveis municipais e comunitários, haveremos de ter êxito.


Paulo Roberto Yog de Miranda Uchôa, 62, general de Divisão da Reserva do Exército, é secretário nacional Antidrogas da Presidência da República.



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