|
Próximo Texto | Índice
Mudança de clima
Merece apoio e debate a proposta brasileira de fundo para financiar queda de desmatamento em país tropical pobre
AOS POUCOS parece que
vai ganhando flexibilidade a outrora rígida
posição oficial brasileira nas negociações internacionais sobre aquecimento global.
Há dias, num seminário técnico
em Roma de preparação para a
12ª Conferência das Partes da
Convenção sobre Mudança Climática, o governo federal propôs
a criação de um fundo para que
países ricos financiem a contenção do desmatamento em países
pobres com florestas tropicais.
Trata-se de um passo significativo. Há dúvidas sobre a exeqüibilidade da proposta, como se verá adiante, mas ela pede debate
sério, por derivar na direção correta de assumir mais responsabilidade pela contribuição nacional ao aquecimento planetário.
O governo acerta ao insistir na
doutrina da responsabilidade diferenciada dos países ricos, cujo
desenvolvimento contribuiu
bem mais, historicamente, para
o agravamento do efeito estufa.
Tal reconhecimento, contudo,
não apaga o fato de que, hoje,
25% das emissões globais dos gases-estufa advêm do desflorestamento tropical. No Brasil, 75%
das emissões vêm do desmate,
concentrado na Amazônia.
Floresta derrubada e queimada libera carbono na atmosfera,
engrossando a camada de gases
que retêm radiação perto da superfície, ao impedir sua dissipação no espaço. Desmatamento
evitado tem efeito oposto (além
de preservar algo visto consensualmente como um bem, a biodiversidade). Ora, impedir a conversão de matas em áreas agricultáveis tem custos, seja de
oportunidade, seja para fazer
cumprir as leis ambientais num
território com vários milhões de
quilômetros quadrados.
Até não muito tempo atrás,
contudo, aceitar remuneração
estrangeira para preservar florestas era anátema no Brasil.
Desde o início das tratativas
multilaterais que resultaram na
convenção, em 1992, e no Protocolo de Kyoto, em 1997, o país figurava como um dos principais
obstáculos à inclusão do desmatamento evitado nos engenhosos
dispositivos de mercado para
conter emissões. Toda proposta
nesse sentido invocava os velhos
fantasmas de perda de soberania
sobre a Amazônia.
A proposição do fundo de compensação por desmatamento,
em Roma, faz crer que tal espectro vem sendo exorcizado, trazendo bons augúrios para a combalida floresta amazônica (17%
desse bioma único já se foi, uma
forma canhestra de exercer soberania). No entanto, pairam
ainda dúvidas sobre a proposta.
A boa recepção inicial não impediu que surgissem questionamentos sobre o fundo. O mais
importante focaliza a origem dos
recursos que o alimentariam. Se
unicamente países pobres auferissem vantagens com ele, sacando recursos ao reduzir o desflorestamento, é de supor que poucos países ricos contribuiriam.
Sem perspectiva de obter créditos por emissões evitadas, nem
a mais ecologicamente correta
nação escandinava despejaria
somas consideráveis na iniciativa. A fim de atrair investimentos
que possam fazer diferença para
a floresta, o Brasil precisa avançar mais com suas propostas.
Próximo Texto: Editoriais: Vontade de anular
Índice
|