São Paulo, segunda-feira, 04 de setembro de 2006

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Mudança de clima

Merece apoio e debate a proposta brasileira de fundo para financiar queda de desmatamento em país tropical pobre

AOS POUCOS parece que vai ganhando flexibilidade a outrora rígida posição oficial brasileira nas negociações internacionais sobre aquecimento global. Há dias, num seminário técnico em Roma de preparação para a 12ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança Climática, o governo federal propôs a criação de um fundo para que países ricos financiem a contenção do desmatamento em países pobres com florestas tropicais.
Trata-se de um passo significativo. Há dúvidas sobre a exeqüibilidade da proposta, como se verá adiante, mas ela pede debate sério, por derivar na direção correta de assumir mais responsabilidade pela contribuição nacional ao aquecimento planetário.
O governo acerta ao insistir na doutrina da responsabilidade diferenciada dos países ricos, cujo desenvolvimento contribuiu bem mais, historicamente, para o agravamento do efeito estufa. Tal reconhecimento, contudo, não apaga o fato de que, hoje, 25% das emissões globais dos gases-estufa advêm do desflorestamento tropical. No Brasil, 75% das emissões vêm do desmate, concentrado na Amazônia.
Floresta derrubada e queimada libera carbono na atmosfera, engrossando a camada de gases que retêm radiação perto da superfície, ao impedir sua dissipação no espaço. Desmatamento evitado tem efeito oposto (além de preservar algo visto consensualmente como um bem, a biodiversidade). Ora, impedir a conversão de matas em áreas agricultáveis tem custos, seja de oportunidade, seja para fazer cumprir as leis ambientais num território com vários milhões de quilômetros quadrados.
Até não muito tempo atrás, contudo, aceitar remuneração estrangeira para preservar florestas era anátema no Brasil. Desde o início das tratativas multilaterais que resultaram na convenção, em 1992, e no Protocolo de Kyoto, em 1997, o país figurava como um dos principais obstáculos à inclusão do desmatamento evitado nos engenhosos dispositivos de mercado para conter emissões. Toda proposta nesse sentido invocava os velhos fantasmas de perda de soberania sobre a Amazônia.
A proposição do fundo de compensação por desmatamento, em Roma, faz crer que tal espectro vem sendo exorcizado, trazendo bons augúrios para a combalida floresta amazônica (17% desse bioma único já se foi, uma forma canhestra de exercer soberania). No entanto, pairam ainda dúvidas sobre a proposta.
A boa recepção inicial não impediu que surgissem questionamentos sobre o fundo. O mais importante focaliza a origem dos recursos que o alimentariam. Se unicamente países pobres auferissem vantagens com ele, sacando recursos ao reduzir o desflorestamento, é de supor que poucos países ricos contribuiriam.
Sem perspectiva de obter créditos por emissões evitadas, nem a mais ecologicamente correta nação escandinava despejaria somas consideráveis na iniciativa. A fim de atrair investimentos que possam fazer diferença para a floresta, o Brasil precisa avançar mais com suas propostas.


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