São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008

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CLAUDIA ANTUNES

Os candidatos e o mundo novo

NO MEIO DE TODA a conversa corrente sobre o novo e perigoso mundo multipolar, um detalhe fundamental fica relegado às entrelinhas ou aos miolos de textos caudalosos: os Estados Unidos, ainda a maior e mais poderosa entre as potências, são também a única que mantém ideologia expansionista, apresentando-se como um modelo a ser seguido.
A China, muita atenta por enquanto aos próprios desequilíbrios internos, mostra sua força por meio do comércio e do peso de seu mercado. A Rússia, reerguida pelo valor de suas reservas energéticas, age para reconquistar uma "área de segurança" definida muito antes do comunismo. Os dois países adotaram o capitalismo de Estado -não muito diferente do praticado pela França, por exemplo, no pós-Segunda Guerra-, e nenhum deles pede que o sigam. O nacionalismo é o sustentáculo de seus líderes.
Mas é esse não-exemplo mesmo que, no mundo, tem repercussões fortes, embora oblíquas. A existência de novos pólos de poder significa que outros países, menores, podem também reivindicar autonomia em suas políticas, mesmo que elas ocasionalmente divirjam do apregoado -e muitas vezes não praticado- pelos EUA ou por potências regionais dos quais são estrategicamente dependentes.
É a percepção dessa realidade que separa, na campanha americana, o democrata Barack Obama do republicano John McCain.
Sabe-se que os EUA, vitoriosos, nunca fizeram uma revisão criteriosa de sua atuação na Guerra Fria. Para velhos guerreiros daqueles anos, como McCain, continua forte o apelo da idéia de que os EUA, vanguarda das liberdades individuais, são sempre uma força para o bem. Persiste também a noção, polêmica, de que países democráticos não vão à guerra entre si.
Daí a proposta da "Liga das Democracias", para se contropôr à ameaça das "potências autoritárias".
Reconhecer o limite prático dessas idéias é complicado num país em que o proverbial messianismo combina fervores patrióticos e religiosos, mas Obama deu alguns sinais de que refletiu sobre isso. Talvez a ocasião em que foi mais explícito tenha sido na entrevista, ao vivo, que ele e McCain deram ao pastor Rick Warren, em meados de agosto. Confrontado com perguntas grandiosas sobre como os EUA poderiam sanar os males do mundo, da orfandade ao ambiente, o democrata falou em "liderar pelo exemplo" e disse que, muitas vezes, pratica-se o mal quando se apregoa agir em nome do bem.
O consenso entre os analistas, na época, foi que, com suas respostas cheias de nuances, Obama levou uma surra de McCain, que desfiou certezas simples sobre os limites claros entre o céu e o inferno.


CLAUDIA ANTUNES é editora de Mundo . Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Kenneth Maxwell, que escreve nesta coluna ás quintas-feiras.


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