São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2000

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ANTONIO DELFIM NETTO

Petróleo e inflação

O aumento do preço do petróleo pode trazer de volta a inflação, como têm alegado algumas pessoas? O processo inflacionário é um aumento generalizado e contínuo dos preços. Se, para haver inflação, os preços devem subir continuadamente, é evidente que a "causa" desse aumento deve repetir-se continuadamente. Essas condições não podem derivar apenas de um aumento de preços coordenado pela Opep, que reúne 11 países e gera em torno de 40% da produção mundial, embora controle uma porcentagem muito maior do comércio internacional.
O quadro abaixo mostra que existe um relativo equilíbrio entre a oferta e a procura de petróleo (milhões de barris/dia):

Reprodução


A economia mundial está crescendo à taxa de 4,7% ao ano, os estoques mundiais têm diminuído ligeiramente e o excesso de capacidade da Opep (com exceção da Arábia Saudita) é precário. Nessas circunstâncias, pequenas mudanças "previsíveis" no fluxo de demanda (como um inverno rigoroso no Hemisfério Norte) podem estimular rápidas elevações dos preços nas Bolsas. Isso facilita, aos Estados que controlam 40% da oferta, fixar preços básicos mais elevados para seus produtos. A antecipação da escassez coloca em ação especuladores, e os preços de mercado tendem a se sustentar por algum tempo, o que estimula a Opep a elevar seu preço de entrega às empresas distribuidoras.
O movimento não acaba aí, porque, com o tempo, haverá ações corretivas. Teremos: 1) uma redução da demanda produzida pelo próprio aumento do preço; 2) um aumento da oferta dos produtores não-Opep, que têm capacidade ociosa; e 3) no longo prazo, uma ampliação dos investimentos no setor, devido ao aumento dos lucros dos produtores.
Podemos concluir, portanto, que a elevação do preço do petróleo encontra um limite: estamos diante de uma modificação de preço relativo que transfere renda dos consumidores para os produtores, que poderia ser, mas frequentemente não é, permanente. Por exemplo, o valor da exportação anual de petróleo da Arábia Saudita passou de US$ 20 bilhões (média 1970/71, imediatamente anterior à primeira crise) para US$ 360 bilhões (média 1980/81, auge da segunda crise). Em 1986/88 havia caído para US$ 70 bilhões em média, apesar de toda a manipulação de sua oferta.
Como, então, o atual aumento do preço do petróleo poderia causar uma inflação? Só se o Banco Central sancionasse a modificação do preço relativo, com aumento da liquidez, e se os salários nominais fossem reajustados, de forma a impedir o necessário corte de consumo de petróleo. A verdade desagradável é que, com o aumento do preço do petróleo, caíram nossas relações de troca e ficamos mais pobres. E isso não pode ser remediado com inflação. Se o Banco Central responder corretamente e a sociedade não se conformar, o que pode haver não é inflação, mas desemprego. E ficaremos ainda mais pobres!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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