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CARLOS HEITOR CONY
O lucro do arrastão
RIO DE JANEIRO - Não tenho certeza do ano, mas do fato. Em 1992, na semana que antecedeu a eleição municipal aqui do Rio, ocorreu o primeiro
arrastão no Arpoador e em Ipanema.
Um domingo de sol. Desde cedo,
equipes da TV se postaram no local,
duas no calçadão, uma na própria
areia. Seria mais uma reportagem
sobre o início do verão carioca -foi
o que me informaram.
Eu levara Mila e Títi para o único
banho de mar permitido pelas manhãs aos cães, na praia do Diabo. Ali
pelo meio-dia, a empregada, esbaforida, pediu que eu ligasse a TV. Vi o
arrastão enorme, bem maior do que
o mais recente, na semana passada.
Eram uns 30, 40 homens, desarmados, inaugurando um tipo de horror
que não chegou a fazer vítimas nem
danos consideráveis. O bando não tinha intenção de roubar, apenas assustar e aparecer na TV ali postada.
A candidata do PT, que liderava as
pesquisas para prefeito, ainda não
havia sofrido o desgaste posterior de
seus tempos de governadora. Estava
com 37 ou 38 por cento de preferência
no eleitorado. Caiu para uns 17 -se
não estou enganado. Não foi eleita.
Sabia-se que um grupo ultra-reacionário estava disposto a fazer qualquer coisa para impedir que uma negra, moradora no morro, governasse
uma cidade como o Rio, sala de visita
e cartão-postal do Brasil.
Mais tarde, houve outras tentativas
de arrastão, sempre em vésperas de
eleição. O estrago na imagem do Rio
e do país é enorme e irrecuperável.
Mas parece que o recurso foi absorvido como prática.
O lucro do assalto praticado nas
areias da zona sul em forma de arrastão é ridículo. Ninguém leva valores para a praia, leva talvez um celular, uns trocados para a água-de-coco, nenhuma bijuteria, o relógio mais
vagabundo de cada um. Qualquer
lanchonete, ali pelo meio-dia, oferece
mais dinheiro e mercadoria. E os
bandidos sabem disso.
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