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CARLOS HEITOR CONY
Um cavalo! Um cavalo!
RIO DE JANEIRO - Em situações
limite, vale qualquer coisa. Rezar é
uma delas. Pedir um cavalo pode
ser mais prático, mas se deve dar alguma coisa em troca. No caso do rei
de Shakespeare, ele ofereceu o reino por um cavalo -negócio atraente para quem tivesse um cavalo e
desejasse ganhar um reino.
No que me interessa, não tenho
reino nem preciso de um cavalo para nada. Aliás, não tenho qualquer
coisa que valha a pena trocar. Sim,
devo ter uma alma, mas já a troquei
quando, aos oito anos, tendo cometido uma falta qualquer e sendo punido pelo pai, fiquei sem um pedaço
da torta de banana que estava sendo
servida no jantar. Era a minha sobremesa preferida. Fui para o quarto chateado, sentindo-me só e desgraçado. Havia feito a primeira comunhão naqueles dias e ficara sabendo que o diabo gostava de comprar almas para o seu reino de
chamas.
Achava o negócio meio nebuloso.
Mas não custava tentar. Com a solenidade possível, invoquei o Pai das
Trevas, mas dispensando-o de me
aparecer ali no quarto, onde estava
sozinho e miserável. A troca seria
consumada sem a necessidade de
sua presença. Eu lhe daria a minha
alma -que não valia muita coisa-,
ele me daria o que me fora negado.
O doce seria de pronta entrega, o
pagamento seria depois, bem depois, teria muito tempo para me arrepender, fazer penitência e desfazer o negócio.
Se eu confiava no Diabo, o Diabo
não confiou em mim. Deve ter adivinhado a intenção de não cumprir
o trato. Fiquei sem a torta e com a
alma desvalorizada, nem o Diabo
queria saber dela.
Aprendi a lição. Nada neste mundo e no outro é grátis. Tudo tem um
preço. Venho acompanhando com
tédio as negociações do governo para prorrogar a CPMF no Congresso.
Não estão em jogo uma alma e um
pedaço de torta.
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