São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil e os 50 anos da era espacial

MARCO ANTONIO RAUPP

Começamos acompanhando de perto os pioneiros. Índia e Canadá iniciaram programas similares na mesma época. Foram longe. Nós paramos

HOJE, 4 de outubro, é dia de comemorar os 50 anos da era espacial. É também uma data oportuna para refletirmos sobre o desenvolvimento do Brasil nessa área dentro do cenário internacional.
No auge da Guerra Fria, os soviéticos surpreenderam o mundo ocidental, sobretudo os Estados Unidos, com o lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik, que marcou o início da corrida espacial.
No Brasil, o acontecimento histórico foi acompanhado de perto por estudantes do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos Campos (SP). Eles estavam preparados para receber os sinais do Explorer, o primeiro satélite americano, mas, quando souberam do satélite soviético, adaptaram a estação que tinham e conseguiram receber os sinais do Sputnik.
Também no início da década de 1960, militares brasileiros já trabalhavam no desenvolvimento de foguetes, buscando acompanhar a tendência de criar programas espaciais próprios que se espalhava por todo o globo terrestre.
Começamos, portanto, acompanhando de perto os pioneiros.
Na educação à distância, hoje considerada prioridade pelo governo, houve o projeto Saci (Sistema Avançado de Comunicações Interdisciplinares), implantado no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) também nos anos 1960-1970.
Ambicioso, visava implantar programas educacionais por TV via satélite por todo o país, erradicar o analfabetismo. Mas, por razões políticas que não caberiam neste espaço, mal logrou ser um projeto-piloto em Natal (RN), onde, por alguns meses, atendeu a algumas centenas de alunos de escolas públicas.
A Índia e o Canadá começaram programas similares na mesma época -e foram longe. Nós paramos.
A primeira maior decisão política na área espacial veio com o governo militar, que buscou parceria da França para desenvolver uma missão espacial completa.
Dezenas de engenheiros foram treinados no centro de pesquisa espacial francês, mas, em 1979, o governo decidiu optar por um programa autóctone, que deu origem à Missão Espacial Completa Brasileira. Uma base de lançamento, foguete e quatro satélites deveriam ser desenvolvidos em cerca de dez anos.
Passados quase 30 anos, temos pouco a comemorar sobre esse programa. Foram desenvolvidos e lançados (por foguetes americanos) os dois primeiros satélites e o veículo lançador ainda está em desenvolvimento. O lado positivo a lembrar é a formação de pessoas e equipes, mas falta um projeto governamental de longo prazo nessa área.
Países como Índia, Israel e China têm programas espaciais avançados, pois, além de decisões políticas assertivas, trabalharam desde o início com outros países, incentivaram e implantaram empresas dedicadas à tecnologia espacial.
No Brasil, talvez um único exemplo de sucesso de parceria na área espacial seja o CBERS (sigla em inglês para Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Fruto de um acordo assinado entre os dois países em julho de 1988, resultou até o momento no lançamento de três satélites (o último em setembro), intercâmbio permanente de pesquisadores e engenheiros, capacitação e envolvimento de empresas brasileiras no projeto.
Programas espaciais são empreendimentos que exigem políticas públicas e planejamento de longo prazo; definição clara de metas; orçamentos compatíveis com os requisitos do desenvolvimento e fabricação de equipamentos espaciais que não são de larga escala industrial. No entanto, permitem aos que neles investem um lugar privilegiado entre os países com evolução tecnológica avançada.
O Brasil precisa de um PAC na área espacial, um programa que, emanado do governo, defina afinal o que o país pretende e pode fazer nessa área. Não somente para até o final deste ou do próximo mandato mas também para os próximos 20 anos, pois assim se pensa um programa espacial.
Com um orçamento anual de US$ 130 milhões, o que é pouco comparado com países como Índia (cerca de US$ 600 milhões/ano) e China (que tem até programas de missões lunares), que já têm foguetes, satélites e bases de lançamento, precisamos definir e privilegiar claramente algumas áreas que atendam grandes demandas nacionais.


MARCO ANTONIO RAUPP , 69, matemático, doutor pela Universidade de Chicago (EUA), é o presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Foi diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Laboratório Nacional de Computação Científica.

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