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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil e os 50 anos da era espacial
MARCO ANTONIO RAUPP
Começamos acompanhando de perto os pioneiros. Índia e Canadá iniciaram programas similares na mesma época. Foram longe. Nós paramos
HOJE, 4 de outubro, é dia de comemorar os 50 anos da era espacial. É também uma data
oportuna para refletirmos sobre o desenvolvimento do Brasil nessa área
dentro do cenário internacional.
No auge da Guerra Fria, os soviéticos surpreenderam o mundo ocidental, sobretudo os Estados Unidos,
com o lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik, que marcou o
início da corrida espacial.
No Brasil, o acontecimento histórico foi acompanhado de perto por estudantes do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos
Campos (SP). Eles estavam preparados para receber os sinais do Explorer, o primeiro satélite americano,
mas, quando souberam do satélite soviético, adaptaram a estação que tinham e conseguiram receber os sinais do Sputnik.
Também no início da década de
1960, militares brasileiros já trabalhavam no desenvolvimento de foguetes, buscando acompanhar a tendência de criar programas espaciais
próprios que se espalhava por todo o
globo terrestre.
Começamos, portanto, acompanhando de perto os pioneiros.
Na educação à distância, hoje considerada prioridade pelo governo,
houve o projeto Saci (Sistema Avançado de Comunicações Interdisciplinares), implantado no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)
também nos anos 1960-1970.
Ambicioso, visava implantar programas educacionais por TV via satélite por todo o país, erradicar o analfabetismo. Mas, por razões políticas
que não caberiam neste espaço, mal
logrou ser um projeto-piloto em Natal (RN), onde, por alguns meses,
atendeu a algumas centenas de alunos de escolas públicas.
A Índia e o Canadá começaram programas similares na mesma época -e
foram longe. Nós paramos.
A primeira maior decisão política
na área espacial veio com o governo
militar, que buscou parceria da França para desenvolver uma missão espacial completa.
Dezenas de engenheiros foram
treinados no centro de pesquisa espacial francês, mas, em 1979, o governo
decidiu optar por um programa autóctone, que deu origem à Missão Espacial Completa Brasileira. Uma base
de lançamento, foguete e quatro satélites deveriam ser desenvolvidos em
cerca de dez anos.
Passados quase 30 anos, temos
pouco a comemorar sobre esse programa. Foram desenvolvidos e lançados (por foguetes americanos) os dois
primeiros satélites e o veículo lançador ainda está em desenvolvimento.
O lado positivo a lembrar é a formação de pessoas e equipes, mas falta
um projeto governamental de longo
prazo nessa área.
Países como Índia, Israel e China
têm programas espaciais avançados,
pois, além de decisões políticas assertivas, trabalharam desde o início com
outros países, incentivaram e implantaram empresas dedicadas à tecnologia espacial.
No Brasil, talvez um único exemplo
de sucesso de parceria na área espacial seja o CBERS (sigla em inglês para Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Fruto de um acordo
assinado entre os dois países em julho
de 1988, resultou até o momento no
lançamento de três satélites (o último
em setembro), intercâmbio permanente de pesquisadores e engenheiros, capacitação e envolvimento de
empresas brasileiras no projeto.
Programas espaciais são empreendimentos que exigem políticas públicas e planejamento de longo prazo;
definição clara de metas; orçamentos
compatíveis com os requisitos do desenvolvimento e fabricação de equipamentos espaciais que não são de
larga escala industrial. No entanto,
permitem aos que neles investem um
lugar privilegiado entre os países com
evolução tecnológica avançada.
O Brasil precisa de um PAC na área
espacial, um programa que, emanado
do governo, defina afinal o que o país
pretende e pode fazer nessa área. Não
somente para até o final deste ou do
próximo mandato mas também para
os próximos 20 anos, pois assim se
pensa um programa espacial.
Com um orçamento anual de US$
130 milhões, o que é pouco comparado com países como Índia (cerca de
US$ 600 milhões/ano) e China (que
tem até programas de missões lunares), que já têm foguetes, satélites e
bases de lançamento, precisamos definir e privilegiar claramente algumas
áreas que atendam grandes demandas nacionais.
MARCO ANTONIO RAUPP , 69, matemático, doutor pela
Universidade de Chicago (EUA), é o presidente da SBPC
(Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Foi diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Laboratório Nacional de Computação Científica.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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