São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Barrados na festa

ROBERTO LUIS TROSTER

É razoável que operações menores e com mais risco paguem mais, mas não na proporção observada no Brasil

O CRESCIMENTO do sistema financeiro a um ritmo superior a 20%, ano após ano, deveria ser motivo de celebrações, pois, com mais serviços e crédito, há mais oportunidades de investimento e consumo para todos. Entretanto, apesar dos discursos, a realidade mostra não só a perpetuação como também o agravamento de distorções que excluem muitos da festa. É o drama de problemas que não se resolvem.
Sistemas financeiros operam de cima para baixo: grandes clientes recebem serviços e crédito proporcionalmente mais baratos que os da base da pirâmide. Deve-se ao fato de que custos fixos são mais diluídos em operações de maior valor.
Em razão disso, é importante uma atenção específica para o pequeno tomador, que tem custos proporcionalmente maiores, com medidas que corrijam parcialmente a distorção.
Muitos países dão tratamento privilegiado às camadas mais baixas. No Brasil, a situação é oposta, e os mais pobres têm um ônus adicional, que está aumentando em vez de diminuir.
A tributação de operações de crédito é um exemplo emblemático. Neste governo, houve mudanças na CPMF. Aplicadores foram isentados da contribuição para reaplicações de investimentos, mas nada foi feito para tomadores de crédito que têm que pagar CPMF para cada refinanciamento. Corrigiu-se a distorção para os que têm recursos para aplicar e manteve-se o equívoco para os que devem.
Enquanto alguns países não tributam e outros até subsidiam operações para pequenos tomadores de crédito, no Brasil, eles pagam mais impostos por real emprestado que os grandes.
O PIS/Cofins incide sobre as taxas de juros cobradas, que são proporcionalmente maiores para as operações menores. A alíquota desse tributo foi elevada pelo atual governo. Os menores pagam proporcionalmente mais impostos.
Enquanto se avança na legislação para analisar fusões de bancos, com a participação de Cade e Banco Central, e se exige a certificação para mediação e distribuição de investimentos, nada é feito para avaliar as estratégias do pequeno tomador de crédito, menos sofisticado e mais vulnerável a abusos. Protege-se só o mais forte.
Uma análise da evolução do crédito nos últimos 12 meses mostra uma concentração no crescimento. As operações com maiores valores se avolumam mais rapidamente que as com menores. A taxa de crescimento para pequenos tomadores pessoa física foi de 20,2%, enquanto a dos grandes foi 32,6%. Mais crédito para menos pessoas.
No último mês, as novas concessões de cheque especial corresponderam a 13% do total das concessões de crédito a pessoas físicas e pessoas jurídicas (empresas) somadas, mas geram mais de 53% do total da receita bruta de crédito das instituições financeiras. Há um ano, os percentuais eram de 13% e 51% respectivamente. São números levantados pelo Banco Central do Brasil.
Um exame do "spread" -diferença entre taxa de aplicação e captação- mostra uma evolução favorecendo grandes tomadores. O "spread" médio caiu 3,7% nos últimos 12 meses. Entretanto, o do cheque especial, operação típica do pequeno tomador, diminuiu apenas 0,5%. O "spread" do cheque especial é, na média, 34 vezes maior que o de uma operação de vendor; segundo o Banco Central, essa diferença era de 26 vezes há um ano. Está piorando.
São números que não incluem tarifas e CPMF, ou seja, a realidade é pior que a estatística acima. É razoável que operações menores e com mais risco paguem mais, mas não na proporção observada no Brasil. Chama a atenção a deterioração do quadro. Há anúncios, de tempos em tempos, de mudanças, mas o ponto é que a situação se agrava em vez de melhorar.
A desigualdade é um tópico presente no debate nacional, tanto por uma questão de justiça social como pelo seu impacto no desenvolvimento.
O Brasil apresenta números fracos em distribuição de renda, que podem e devem ser melhorados. É premente uma política de inserção financeira, de acesso a serviços e produtos bancários. Há uma demanda de inclusão econômica e de cidadania que deve ser atendida. As ações até agora tomadas para reverter esse quadro são localizadas e de cunho assistencialista. Falta uma agenda abrangente, consistente e realista.
Não há argumentos que expliquem a perpetuação dessa situação. Idéias se discutem, fatos e números, não. A mudança custa pouco, não depende do Congresso e traz muitos benefícios. Não há desculpas para a inércia.


ROBERTO LUIS TROSTER , 56, doutor em economia pela USP, é economista da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.
robertotroster@uol.com.br

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