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São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O novo na saúde

GIOVANNI GUIDO CERRI e JOSÉ MANOEL DE CAMARGO TEIXEIRA

O início do funcionamento de novos serviços de saúde, mesmo quando são parte integrante de instituições mais complexas, como hospitais, requer, além da definição de sua área de atuação com delimitação de demanda e dos procedimentos que estarão disponíveis para a comunidade, recursos de planta física e equipamentos adequados, bem como recursos humanos capacitados e treinados.
A implantação de serviços de saúde exige cronograma que contemple as diferentes fases desse processo cujos passos são uma sequência de eventos com complexidade crescente. Dessa forma, reduz-se o risco para o paciente e para a equipe de saúde e se tem certeza de que resultados mais eficientes e eficazes serão obtidos. Tomemos o exemplo do Centro de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas (CRH), motivo, semanas atrás, de observações sobre uma suposta inércia. Números sólidos, porém, dissipam tal desconfiança. Inaugurado há pouco mais de sete meses, o centro expressa a soma de trabalho médico-científico desenvolvido a partir do final da década de 80.
Assim, em fevereiro de 2003, quando da inauguração do centro, já existiam pacientes originados da ginecologia e da urologia, dos quais 450 casais já cadastrados passaram por diferentes fases do atendimento. Esse número tem sua expressão, pois demonstra que o centro não se encontra na tal zona sombria da imobilidade. É correto dizer que os procedimentos realizados até o momento são principalmente diagnósticos e de classificação dos pacientes, mas considerar o centro sob inércia é um exagero.
Pelo contrário, ele tem atendido média diária de dez casos novos e cinco retornos; já realizou 1.600 exames completos com testes especiais para identificação de células imaturas e estudo morfológico detalhado dos espermatozóides. Sua média semanal é de quatro microcirurgias de varicocele (varizes no escroto), uma microcirurgia de reversão de vasectomia e outras tantas microcirurgias reconstrutivas do trato reprodutivo. Tratar de infertilidade requer o uso de medicamentos, procedimentos microcirúrgicos, avaliação genética ou, caso haja indicação, a escolha de técnicas de reprodução assistida.
A elaboração de protocolos clínicos precisos para cada diagnóstico tem exigido tempo e dedicação da equipe multidisciplinar.


Os recursos financeiros para a saúde serão sempre insuficientes. As necessidades crescem dia a dia

Na área da pesquisa, dois protocolos de investigação genética foram aprovados pelo Comitê de Ética e Pesquisa do HC e estão sendo desenvolvidos, na área de pesquisa de mutações em genes associados à infertilidade. Na andrologia, a linha de investigação é a dos fatores envolvidos na maturidade e função espermática. Na ginecologia, a linha de investigação envolve basicamente problemas ovulatórios.
Pesquisa específica na área da reprodução assistida visa o desenvolvimento de protocolos de baixo custo para utilização em fertilização "in vitro". Assim, dentro da programação normal de implantação do CRH, essa fertilização "in vitro", um dos mais caros e complexos procedimentos no tratamento da infertilidade, deve ser um dos últimos a serem executados. É preciso que se tenha segurança de que todos os passos anteriores foram devidamente implantados para iniciar esta fase do programa.
É o que vem ocorrendo no CRH. E chegou finalmente o momento. Há duas semanas, uma paciente iniciou o processo de estimulação da ovulação e, após ela, outra, e mais outra e, por fim, dezenas delas estarão passando por essa fase do programa que as conduzirá de forma progressiva e contínua à tão esperada fertilização "in vitro".
"Entretanto se move..." Essa frase, atribuída ao físico e astrônomo Galileu Galilei, aplica-se a um momento da história da ciência. Como nos tempos de Galileu, as inovações tecnológica e técnica na área da saúde exigem discussão de seus aspectos sociais, culturais, éticos, financeiros, operacionais, organizacionais, pois o novo, a moda, nem sempre significa o melhor a ser feito para a saúde das populações.
Por outro lado, a implantação de novos serviços de saúde obedece sempre à lógica de primeiro o mais simples e, depois que este está implantado com segurança, o mais complexo. Em saúde, a necessidade da população deve sempre ser companheira da oportunidade de obtenção dos serviços, pois só assim alcançaremos bons resultados com as ações programadas.
O prover a vida passa pela intenção, vontade e direito dos pais, pela possibilidade, oportunidade, por garantias técnicas e deveres dos serviços e equipes de saúde e pela responsabilidade que é da sociedade. Nos tempos atuais não há setor, público ou privado, que esteja livre da questão da disponibilidade de recursos considerados ideais.
Os recursos financeiros para a saúde serão sempre insuficientes. As necessidades crescem dia a dia, com as expectativas infinitas e infindáveis da população em obter serviços de saúde acessíveis e resolutivos. Cabe, de um lado, aos profissionais da saúde, representantes das ciências e do conhecimento e, de outro lado, aos políticos, representantes legítimos da vontade do povo, definir a aplicação ótima dos recursos disponíveis para propiciar melhor quantidade e qualidade de vida à população.

Giovanni Guido Cerri, 50, médico, é presidente do Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas e diretor da Faculdade de Medicina da USP. José Manoel de Camargo Teixeira, 55, médico, é superintendente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e professor da Fundação Getúlio Vargas.


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