São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

Próximo Texto | Índice

A ESCOLHA DE BUSH

Os norte-americanos concederam a George W. Bush o direito de permanecer por mais quatro anos no cargo eletivo mais poderoso do planeta. Num pleito extremamente disputado, o candidato republicano derrotou seu desafiante democrata, o senador John F. Kerry.
O sistema de escolha do presidente nos EUA, em que o mandatário não é apontado diretamente pela população, mas por meio de um colégio eleitoral, esteve perto de gerar mais uma crise como a de 2000. Desta vez, contudo, a diferença em favor de Bush no Estado que se revelou mais problemático, o de Ohio, foi suficiente -cerca de 130 mil votos- para evitar a indefinição e as conseqüentes batalhas judiciais.
No voto popular, o presidente reeleito venceu seu oponente com mais de 3,5 milhões de sufrágios de vantagem, recebendo um claro mandato para seguir com a política externa unilateralista e empunhar as bandeiras neoconservadoras que marcaram sua primeira administração. Já não resta dúvida de que, após os atentados do 11 de Setembro, o eleitorado norte-americano se inclinou mais para a direita, embora a sociedade continue dividida ao meio. Os republicanos também ampliaram sua maioria na Câmara e no Senado.
A América que triunfou foi aquela representada pelos Estados do Sul, da região das Rochosas e de parte do Meio-Oeste -a América interiorana da "apple pie" e dos rifles pendurados nas camionetes. Ficaram com Kerry a Costa Oeste, o Nordeste e parte do Meio-Oeste -a América cosmopolita das universidades e dos centros urbanos sofisticados, como Nova York, Chicago e Los Angeles.
No início do primeiro mandato, chegou-se a imaginar que Bush, desgastado pela crise eleitoral de 2000, faria um governo de conciliação, visando ao centro político. Todavia, com a reação nacional ao 11 de Setembro, ele obteve a legitimidade que não conquistara na votação para implementar políticas mais agressivas.
Agora, com o apoio popular arrebatado nas urnas, deverá sentir-se autorizado a enfatizar suas posições radicais na chamada guerra contra o terrorismo. Da mesma forma, é provável que se considere fortalecido em sua cruzada religiosa contra a pesquisa com células-tronco, o casamento homossexual e o aborto.
Para o mundo, cujas complexidades são traduzidas pelo presidente reeleito como uma guerra entre o bem e o mal, a perspectiva, a confirmarem-se esses prognósticos, é sombria. Serão mais quatro anos de política imperial, ditada pela doutrina que defende ataques preventivos e não hesita em passar por cima das instituições multilaterais.
Um outro cenário, menos provável, porém mais auspicioso para o equilíbrio mundial, seria o presidente Bush -considerando a divisão da sociedade norte-americana, as resistências de importantes países aliados e as dificuldades enfrentadas no Iraque- buscar mais legitimidade internacional para encaminhar sua política externa. A previsível tentativa de preparar terreno para a estabilização do Iraque poderá encontrar maior boa vontade dos governos europeus, que, pragmaticamente, terão que conviver mais quatro anos com o líder republicano.
Do ponto de vista econômico, a reeleição poderá também agravar os problemas da primeira gestão, quando Bush cortou impostos dos mais ricos e aumentou os gastos públicos, convertendo um superávit fiscal de quase 3% do PIB num déficit público preocupante. Pressões para pôr fim à irresponsabilidade fiscal continuarão partindo dos democratas e deverão encontrar mais eco entre os próprios republicanos. Resta saber, mais uma vez, que linha Bush se sentirá estimulado a seguir: a que traduz seus instintos políticos ou a que se afigura mais racional.


Próximo Texto: Editoriais: O RISCO DE INVESTIR

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.