São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

O que depende de nós

O primeiro passo para o sucesso de um política econômica é fazer um diagnóstico realista da situação. Durante o processo eleitoral, pode-se atribuir ao passado todos os problemas (quem, afinal, poderia tê-los criado, senão o que se vai?), cometendo, frequentemente, a injustiça de ignorar as condições objetivas do mundo em que o país está inserido. Uma vez começada a sucessão, o novo poder incumbente tem de enfrentar a realidade como ela se apresenta. Culpar o passado pelos seus erros ou tentar mudar a realidade elevando quixotescamente a voz, como se o Brasil fosse tão importante que o mundo não pudesse viver sem ele, pode até dar algum conforto. Este logo se esgotará, e a fria e feia realidade se imporá com o famoso "decifra-me ou devoro-te!".
Em termos simples, nossa situação é a seguinte: chegamos a setembro de 2002 com enormes dificuldades de liquidez externa e tivemos de voltar pela terceira vez ao FMI para obter um novo empréstimo de US$ 30 bilhões. Esse empréstimo permitirá que o governo atual termine sem que a crise agrave e dará ao novo governo, se cumprir o acordo com aquela instituição, condições de manobrar em 2003. Em poucas palavras, o mundo cansou de financiar nosso consumo, representado pelos US$ 190 bilhões de déficits em conta corrente feitos pelo governo FHC entre 1995 e 2002. Por isso (como acontece com qualquer empresa que exagera nas dívidas) o mercado financeiro cortou o financiamento do "capital de giro" para tocar o Brasil S.A.
A solução não é agredir o credor, que está mais cuidadoso porque a conjuntura mudou nem reclamar de que o mundo nos persegue. Objetivamente, um mercado financeiro que 1º) sofre de uma aversão ao risco por parte dos investidores; 2º) tem de obedecer a uma legislação prudencial cada vez mais rigorosa e 3º) tem os seus "ratings" rebaixados quando aumenta sua exposição no Brasil tinha mesmo de tomar uma atitude defensiva com relação a nós. Não adianta ficar triste ou pensar que vamos alterar isso apenas reafirmando um duvidoso discurso de que "somos os excluídos" da economia mundial. É preciso alterar as condições objetivas que deram ao mercado financeiro a percepção que tem do Brasil. É disso que se trata: cabe a nós mudá-la e estimulá-los a perceber a mudança pela estabilização da relação dívida líquida/PIB e pela redução das relações dívida externa/exportações e dispêndio com amortização mais juros/exportação.
Isso exige uma política econômica que apresente resultados a curto prazo e prepare o país para o crescimento econômico a longo prazo, enfrentando os problemas estruturais. A relação dívida líquida/PIB se estabiliza pela geração do superávit primário adequado, e as outras duas, pela elevação do valor das exportações. A primeira, felizmente, está nas mãos do governo. As outras correm por conta do efeito do câmbio real (que já aumentou a quantidade exportada) e de algum aumento dos preços internacionais, que virão quando a conjuntura mundial melhorar.
Os credores entendem e têm paciência com o esforço exportador. O que eles esperam é o comportamento adequado com relação ao superávit primário, que depende apenas de nós.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br


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