São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Ouro Preto e a desmemorização oficial CARLOS ALBERTO CERQUEIRA LEMOS
As recentes notícias sobre Ouro
Preto -ameaçada de perder a
honra e a glória de pertencer ao exclusivo grupo de cidades históricas eleitas
como Patrimônio da Humanidade pela
Unesco- nos levam a lembrar que ela
não é nosso único bem cultural urbanizado maltratado. Na verdade, o descaso
às cidades antigas com os seus centros
históricos tombados é generalizado
-não só o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),
também os órgãos preservacionistas estaduais não têm a autoridade e a vigilância necessárias à manutenção das características originais justificadoras da salvaguarda da memória coletiva ali expressa pelo tombamento.
Ouro Preto há mais de 30 anos ocupa a atenção da Unesco que, por volta de 1968, providenciou um relatório circunstanciado elaborado pelo arquiteto português Alfredo Viana de Lima destinado a embasar um plano diretor capaz de manter salva a cidade da sanha especuladora, ávida em ocupar áreas livres adjacentes e em levantar construções novas ligadas ao turismo crescente, inclusive dentro do perímetro tombado. Desse relatório surgiram planos, belas publicações e mil promessas da política oscilante, no fundo, sem vontades maiores de preservar qualquer coisa. As prefeituras displicentes, está visto, não são as únicas culpadas pelas agressões constantes à memória urbana dos sítios ditos históricos. Na verdade, há de se inquirir como foi possibilitada a lenta violação das determinações preservacionistas embutidas nos atos de tombamento ante a complacência das autoridades do Iphan. As obras transgressoras são relativamente lentas, e não pode ser aceita a desculpa da falta de gente habilitada nas obrigatórias fiscalizações. Há sempre quem denuncie ou reclame. As infrações estão aí para todos apreciarem e condenarem balançando negativamente a cabeça e ficando só nisso. Todos já estão conformados com a inoperância do governo. A ameaça da Unesco é que enrubesce alguns poucos, mas a vergonha deveria ser generalizada. De todos. É que o tempo varreu os ideais de Rodrigo Mello Franco de Andrade, de seu mentor atuante Lúcio Costa, de seus auxiliares Augusto Silva Telles, Paulo Tedim, Luís Saia, Ayrton de Carvalho e tantos outros unidos por um comando seguro e honrado. Sempre sofrendo a eterna falta de verbas, porém jamais fechando os olhos em condescendentes silêncios. O caminhão fotografado debruçado sobre o chafariz mutilado de Ouro Preto retrata muito bem a indiferença, a falta de autoridade e a incompetência reinantes entre nós nesse processo de desmemorização. Carlos Alberto Cerqueira Lemos, 76, arquiteto, é professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Eriksom Teixeira Lima: Velhos conselhos para o novo governo Índice |
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