São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Velhos conselhos para o novo governo

ERIKSOM TEIXEIRA LIMA

As mudanças desejadas pelos brasileiros correm risco diante do assanhamento de velhas e más idéias. Dentre elas, pode-se destacar o porto de Sepetiba, o Rodoanel, a Ferronorte, a saída para o Pacífico e a inesgotabilidade agrícola dos cerrados. Para todas existem estudos e projeções oficiais que avalizam sua necessidade. Infelizmente, os órgãos públicos "trabalham" dados para agradar a dirigentes.
No caso de Sepetiba, apesar dos alertas de que não há estrangulamentos na oferta de infra-estrutura portuária, de que o porto de Santos ainda possui potencialidades extraordinárias, de que o porto do Rio, com pequenas modificações urbanas que melhoram as condições de vida da cidade, pode multiplicar sua capacidade operacional, o governo federal gastou centenas de milhões de dólares em projeto inútil.
O Rodoanel não possui quaisquer estatísticas confiáveis, mas as autoridades projetam reduções de tráfego fantasiosas para justificá-lo. Mesmo com a Prefeitura de São Paulo apontando soluções alternativas, de baixo custo e eficazes, o projeto continua a merecer recursos federais absolutamente incompatíveis com uma priorização de usos adequada para um país em desenvolvimento.
Causou desespero assistir ao presidente Fernando Henrique Cardoso comemorar uma ponte sobre o rio Paraná "maior que a Rio-Niterói", quando se sabe que o traçado da Ferronorte atendeu apenas aos interesses do empreiteiro e ex-dono do projeto, e não aos interesses da agricultura brasileira. Poder-se-ia ter poupado bilhões de dólares alterando o traçado desse projeto collorido para atender melhor à movimentação de safras agrícolas, mas não, prevaleceu o gasto e triunfou a pressão sobre os recursos públicos e de fundações de previdência de estatais.
E continua-se nessa rota de pressão desabrida, da sanha ávida por capturar verbas públicas para projetos que só interessam a poucos, especialmente aos construtores de fabulações. Proclama-se a inesgotabilidade agrícola dos cerrados e a necessidade de uma saída para o Pacífico. No primeiro ponto, deixo para pessoas mais competentes demonstrarem essa falácia, mostrando o imenso potencial de terras de boa qualidade deixadas "para trás" com o avanço da fronteira agrícola. Conta-se mais de 10 milhões de hectares recuperáveis apenas no Estado de São Paulo, com toda a infra-estrutura pronta e a população instalada.


As mudanças desejadas pelos brasileiros correm risco diante do assanhamento de velhas e más idéias


Quanto à saída para o Pacífico, basta examinar as distâncias marítimas para concluir que algo está errado nas projeções oficiais. A menor distância entre os portos de Cingapura e o chinês Hong Kong para os portos sul-americanos é a rota via sul da África até Santos, Paranaguá ou Vitória. Os outros portos sul-americanos estão em média 15% mais longe (9.000 milhas contra 10,5 mil). Essa situação se inverte quando se toma a distância entre os portos mais setentrionais da Ásia, o coreano Pusan, outro chinês, o de Xangai, e o japonês Yokohama: os mais próximos são o chileno Arica e os peruanos Ilo e Callao (9.500 milhas, na média, contra 11 mil milhas até os mesmos portos brasileiros). Caso se considere também as distâncias entre as zonas de produção brasileiras e os portos asiáticos, verificar-se-á que eventuais distâncias totais menores significam maiores percursos por via terrestre, muito mais caros do que os por via marítima, mas preferíveis por aqueles que constroem obras.
Claro que há órgãos federais que concluem pelas "velhas e más idéias". Mas um exame desses "estudos" permitirá a descoberta de inúmeras "adaptações" para justificar o injustificável. Se o leitor conceder-me o benefício da dúvida, sugeriria que consultasse artigo publicado na "BNDES Setorial" (edição de setembro de 2000), "Logística para agronegócios brasileiros: o que é realmente necessário", para verificar que não devemos investir nossos parcos recursos para atender provável potencial de expansão, mas, sim, para eliminar estrangulamentos já existentes.
O tema infra-estrutura é árido, assim como qualquer tema econômico. A análise técnica de proposições é essencial para que se possa decidir com base nos compromissos exigidos, sonhados e escolhidos pela população brasileira. Em outras palavras, há listas de projetos novos e interessantes à disposição do novo governo. Muitos projetos novos são velhos travestidos. Muitos projetos interessantes são forjados. Muitos projetos velhos e esquecidos são interessantes. Muitos projetos podem ser interessantes à luz das mudanças no cenário nacional e internacional. Ou seja, a análise técnica rigorosa de todos é a base para que a decisão política seja do interesse nacional.
Uma única e antiquíssima sugestão eu daria ao novo governo: é preciso sempre buscar a verdade e estabelecer conceitos claros e precisos para se produzir soluções corretas, sob pena de criar mais desordem no que se pretende consertar.


Eriksom Teixeira Lima, 46, é economista do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e autor de artigos na área de infra-estrutura e comércio exterior


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Carlos Alberto Cerqueira Lemos: Ouro Preto e a desmemorização oficial

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.