São Paulo, segunda-feira, 04 de dezembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Que social democracia é essa?

JOSÉ AFONSO DA SILVA


O PSDB não tem um projeto para o país e ainda propugna por uma política monetarista contrária ao progresso social


O PSDB surgiu no cenário político brasileiro como organização política progressista voltada à realização das aspirações sociais do povo. Hoje é visível que ele se afasta cada vez mais do ideal da social democracia, e cada vez mais se parece com a velha UDN.
O conservadorismo do partido se revelou enfaticamente no recente processo eleitoral. Enquanto os programas de televisão do Lula cheiravam povo, com toda a sua alegria e otimismo, os programas do PSDB eram insossos, suas propostas genéricas e abstratas: melhoria da saúde e da educação... Sobre a saúde, limitou-se a lembrar os dezenove hospitais construídos em São Paulo, o que é importante. Enfim, não apresentou um programa social próprio. Comprometia-se a continuar os programas do adversário, o que era o mesmo que fazer sua propaganda. Não apresentou nada que pudesse sensibilizar o Nordeste para a sua candidatura.
O Nordeste teve, no governo Lula, melhoria substancial, com crescimento superior à média brasileira. Para isso, contribuíram o volume de recursos que o Bolsa Família proporcionou à sua população pobre e o aumento real do salário mínimo. FHC, com sua política neoliberal, não teve a ousadia de proporcionar tal aumento, sob o argumento conservador de que aumento de salário é inflacionário.
Enquanto isso, os lucros subiam astronomicamente. É curioso: aumento da renda dos pobres é inflacionário, o dos ricos, não! Aumento de salário, numa economia em que os meios produtivos ainda têm grande margem de ociosidade, não induz à inflação, mas ao aumento da produção e equilíbrio da economia.
Outra questão que o candidato do PSDB pôs com ênfase foi o da redução dos impostos sob o argumento de que a carga tributária atinge o patamar elevado de 38% do PIB. Que PIB? Temos um PIB formal e outro informal.
Os dois formam o PIB real. O formal é cerca de 60% do real. Significa que a carga tributária real fica bem abaixo daquela. Os conservadores nunca abordam a questão tributária do lado da justiça fiscal.
Primeiro, o ônus tributário sobrecarrega aqueles que efetivamente pagam os tributos, já que a sonegação é elevada. Segundo, o sistema é apoiado fortemente na tributação indireta e, assim, é extremamente regressivo e injusto. Quem paga imposto no Brasil são os assalariados. Até o imposto de renda é pago basicamente pelos assalariados: 70% incide sobre o trabalho assalariado; 20% sobre o trabalho não-assalariado e só 10% sobre o rendimento de capital. Com apenas duas alíquotas, depois da faixa de isenção, 15% e 27,5%, praticamente deixou de ser progressivo, para ser apenas proporcional.
Sendo fortemente regressivo, o sistema é atrasado, emperra o desenvolvimento econômico e não atende a um princípio básico da política fiscal, qual seja o de que o sistema tributário há de: 1º) ser justo, no sentido da adequada distribuição da carga fiscal, conforme a capacidade contributiva do obrigado; 2º) deve apoiar-se no princípio da igualdade do sacrifício fiscal; 3º) precisa servir à idéia de redistribuição da renda social. É nesses aspectos qualitativos, não no quantitativo, que o sistema carece de profunda reforma.
Tema que assustou o candidato do PSDB foi o das privatizações. Ele não teve a capacidade de mostrar que o estatismo nem sempre importa na libertação do homem; não raro é despótico e tecnocrático; que, no Brasil, foi gerado pela política de substituição das importações, como uma alavanca de sustentação da frágil classe empresarial; a estatização não só não beneficiou o progresso social das classes trabalhadoras como até o prejudicou, com seu maior empobrecimento, enquanto uma elite se beneficiava.
O candidato não foi capaz de mostrar que isso era mais privatização do Estado que estatização da economia. Não foi capaz de mostrar que o modelo se esgotou, nem que empresas como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras não são parte do modelo esgotado, porque têm função social indispensável à atuação governamental e, portanto, não devem ser privatizáveis.
Que social democracia é essa que, além de não ter um programa social próprio nem um projeto para o país, ainda propugna por uma política monetarista que é contrária ao crescimento econômico com progresso social, porque este exige investimentos públicos?

JOSÉ AFONSO DA SILVA , 81, advogado, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, é autor de "Curso de Direito Constitucional Positivo", entre outras obras. Foi secretário da Segurança Pública (governo Covas).


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