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Chavismo em choque
Chávez deveria assimilar o recado das urnas e, em favor da reconciliação
na Venezuela, abdicar
da escalada autoritária
A DERROTA histórica do
presidente Hugo Chávez no referendo de
domingo é um daqueles eventos que se projetam além
das fronteiras. O baque no programa "socialista" de concentração de poder na Venezuela aumentará a resistência contra manipulações constitucionais parecidas -em germe ou em curso-
na América do Sul.
O pleito revelou a cristalização
de um certo desencanto com o
chavismo nas suas próprias bases. Apesar da mobilização da incontrastável máquina do governo, a apatia predominou em redutos do presidente. A abstenção, antes característica da oposição a Chávez, mudou de lado e
ajudou a selar o primeiro revés
do coronel nas urnas.
O desgaste do regime, o desabastecimento de bens essenciais
(sinal de que o socialismo chegou, já se brinca em Caracas), a
inflação elevada, o temor de delegar poderes ditatoriais a quem,
sem eles, já havia retirado do ar
uma das principais redes de TV
privadas. Essa associação de fatores logrou produzir um evento
raríssimo, para não dizer inédito,
na história: freou, pelo voto, o
bonapartismo prestes a consumar-se em ditadura.
Fracassou a manobra chavista
de inocular os itens mandonistas
de sua reforma -a reeleição ilimitada, o estado de exceção por
tempo indefinido, a submissão
do federalismo ao poder presidencial, a criação da versão "bolivariana" dos sovietes- em dois
pacotes repletos de benefícios
populares, como a diminuição da
jornada de trabalho e a extensão
da cobertura previdenciária.
Mesmo assim, o cavalo-de-tróia
foi barrado por maioria estreita:
ou seja, os temas polêmicos teriam sido rechaçados por margem bem mais ampla no caso de
uma votação individualizada.
A novidade política na Venezuela, que ficou patente nesse referendo, é a reciclagem das forças oposicionistas. Refluíram organizações, partidárias e empresariais, identificadas com a impopular política tradicional, a
tentativa de golpe contra Chávez, a subserviência a Washington e os boicotes às eleições sob o
regime chavista. Emergiram lideranças jovens, livres do fardo
do passado, que fazem oposição
nas ruas e nas urnas.
Perdeu eficácia o maniqueísmo do discurso chavista, que reduz toda oposição a um plano
conspiratório a serviço dos interesses americanos. As marchas
estudantis não se enquadram
nessa alegoria simplista. Ela
tampouco basta para desqualificar a liderança do governador
Manuel Rosales -que há pouco
menos de um ano obteve 38%
dos votos para presidente da República-, do general Raúl Baduel -dissidente do chavismo-
e de Leopoldo López, prefeito de
Chacao (município que integra
Caracas).
Hugo Chávez está agora diante
de uma encruzilhada. Se compreender o recado das urnas, vai
enterrar seu projeto autoritário
e iniciar uma transição negociada para deixar o poder no início
de 2013, quando expira seu mandato. Se insistir na estratégia "socialista", vai enveredar pelo caminho da conflagração.
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