São Paulo, terça, 5 de janeiro de 1999

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ESTOJO DE INUTILIDADES

Acaba de ser tornada obrigatória no Brasil uma inutilidade que só vai servir para arrancar algo em torno de R$ 275 milhões dos proprietários de automóveis. Ela vem travestida de equipamento obrigatório de segurança. O bom senso, porém, sugere que um mero estojo de primeiros socorros pouco ou nada poderá contribuir para diminuir número ou gravidade das vítimas do trânsito.
Decerto que fabricantes de ataduras, luvas de borracha e tesouras de pontas redondas -alguns dos preciosos itens acondicionados no kit- podem dar-se por satisfeitos. Ganharam, talvez de presente de fim de ano, do Departamento Nacional de Trânsito, um mercado cativo de 27,5 milhões de consumidores. Estes doravante estão compelidos a gastar R$ 10, em média, pela bolsa.
Mais correto seria falar em estojo de primeiros lucros, ou primeiros pretextos para achacar motoristas. Afinal, a compulsoriedade da compra vem concretizada na ameaça de multa no montante de R$ 115. Zelo extremado com a vida, logo se vê.
Especialistas em segurança de trânsito consideram o estojo, na melhor das hipóteses, apenas inócuo. Sua adoção poderia até estimular aqueles que prestam socorro a estendê-lo além dos limites de sua própria capacidade de discernimento. Certamente não é do conhecimento de todos quando se deve tentar ajudar um acidentado e quando é mais prudente aguardar cuidados médicos ou paramédicos qualificados.
Quando muito, os implementos ora tornados obrigatórios poderão ser úteis no tratamento de pequenos ferimentos, mas estes são aqueles em que não há urgência. As urgências reais teriam mais a ganhar se o investimento social nos estojos -um quarto de bilhão de reais- fosse trocado pela muito menos onerosa e mais eficaz fiscalização contra as maiores causas das mortes no trânsito, como o consumo de álcool e a imprudência contumaz ao volante.



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