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SÉRGIO DÁVILA
Bush ajuda Ahmadinejad
ENTRE GARFADAS de "zorat",
petisco típico feito de milho, e
goles de chá quente, um pequeno empresário iraniano, cujo
nome manterei em segredo a seu
pedido, me confessa: "Com exceção da minoria de fanáticos de
sempre, nós não ligamos para as
políticas da religião. Queremos dinheiro no bolso". Estávamos em
frente a um shopping center em
Teerã, numa noite agradável de
maio passado.
Confirmei suas palavras ao verificar a pujança da classe média iraniana, que, mesmo com chadores,
toque de recolher às 22h e proibição de álcool, toma as noites da capital e faz uma revolução festiva,
"de veludo", se quiser, dentro da
revolução islâmica. São maioria
num país de 70 milhões em que
mais da metade da população não
tinha nascido quando o aiatolá
Khomeini tomou o poder, em 1979.
Terão sido os mesmos que responderam recente pesquisa divulgada pela World Public Opinion,
entidade não-governamental baseada em Washington que tenta
mapear a opinião pública internacional em questões de política externa. Segundo o levantamento,
feito em dezembro, 74% dos iranianos têm uma visão desfavorável
do saudita Osama bin Laden e 81%
deploram os ataques terroristas de
qualquer natureza.
As porcentagens são parecidas
com as encontradas entre os norte-americanos e, para o especialista
Joseph Cirincione, do Center for
American Progress, enfraquecem a
tese do "choque de civilizações",
popularizada pelo pensador conservador Samuel P. Huntington.
Essa classe média iraniana impôs uma derrota política ao partido
de Mahmoud Ahmadinejad nas últimas eleições, justamente por ele
não ter entregue o que prometeu:
recuperação econômica. Aos poucos vão sendo roídas as bases do
presidente radical, que tenta ganhar cartaz interno e relevância
externa com bravatas nucleares.
Tudo isso faz lembrar a letra de
"Russians", bela música que Sting
compôs a partir de melodia de Prokofiev, em 1985, ainda sob a influência da Guerra Fria e da corrida nuclear. O artista britânico espera que "os russos também amem
suas crianças".
Assim como os norte-americanos, os iranianos também amam as
suas crianças. Deixados sozinhos,
saberão mudar por dentro os rumos de seu país. Ameaçados por
uma potência estrangeira, no entanto, se unirão -mesmo que em
torno de Ahmadinejad. Pois é o que
George W. Bush vem fazendo com
sua escalada retórica e de ações.
Outro iraniano, um cineasta de
oposição, encerra nossa conversa
lembrando um ditado, de resto
bastante popular no Oriente Médio hoje em dia: "Eu e o meu irmão
contra o meu primo; eu, meu irmão
e meu primo contra o estrangeiro".
sdavila@folhasp.com.br
SÉRGIO DÁVILA é correspondente em Washington.
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