São Paulo, segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SÉRGIO DÁVILA

Bush ajuda Ahmadinejad

ENTRE GARFADAS de "zorat", petisco típico feito de milho, e goles de chá quente, um pequeno empresário iraniano, cujo nome manterei em segredo a seu pedido, me confessa: "Com exceção da minoria de fanáticos de sempre, nós não ligamos para as políticas da religião. Queremos dinheiro no bolso". Estávamos em frente a um shopping center em Teerã, numa noite agradável de maio passado.
Confirmei suas palavras ao verificar a pujança da classe média iraniana, que, mesmo com chadores, toque de recolher às 22h e proibição de álcool, toma as noites da capital e faz uma revolução festiva, "de veludo", se quiser, dentro da revolução islâmica. São maioria num país de 70 milhões em que mais da metade da população não tinha nascido quando o aiatolá Khomeini tomou o poder, em 1979.
Terão sido os mesmos que responderam recente pesquisa divulgada pela World Public Opinion, entidade não-governamental baseada em Washington que tenta mapear a opinião pública internacional em questões de política externa. Segundo o levantamento, feito em dezembro, 74% dos iranianos têm uma visão desfavorável do saudita Osama bin Laden e 81% deploram os ataques terroristas de qualquer natureza.
As porcentagens são parecidas com as encontradas entre os norte-americanos e, para o especialista Joseph Cirincione, do Center for American Progress, enfraquecem a tese do "choque de civilizações", popularizada pelo pensador conservador Samuel P. Huntington.
Essa classe média iraniana impôs uma derrota política ao partido de Mahmoud Ahmadinejad nas últimas eleições, justamente por ele não ter entregue o que prometeu: recuperação econômica. Aos poucos vão sendo roídas as bases do presidente radical, que tenta ganhar cartaz interno e relevância externa com bravatas nucleares.
Tudo isso faz lembrar a letra de "Russians", bela música que Sting compôs a partir de melodia de Prokofiev, em 1985, ainda sob a influência da Guerra Fria e da corrida nuclear. O artista britânico espera que "os russos também amem suas crianças".
Assim como os norte-americanos, os iranianos também amam as suas crianças. Deixados sozinhos, saberão mudar por dentro os rumos de seu país. Ameaçados por uma potência estrangeira, no entanto, se unirão -mesmo que em torno de Ahmadinejad. Pois é o que George W. Bush vem fazendo com sua escalada retórica e de ações.
Outro iraniano, um cineasta de oposição, encerra nossa conversa lembrando um ditado, de resto bastante popular no Oriente Médio hoje em dia: "Eu e o meu irmão contra o meu primo; eu, meu irmão e meu primo contra o estrangeiro".

sdavila@folhasp.com.br


SÉRGIO DÁVILA é correspondente em Washington.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Mário Magalhães: Saçaricos
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.