São Paulo, segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

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Por um bairro-jardim

LUIZA NAGIB ELUF


A cidade de São Paulo teve um crescimento tão rápido e desordenado que se transformou num espetáculo de horrores


A CIDADE de São Paulo teve um crescimento tão rápido e desordenado que, em termos urbanísticos, se transformou num espetáculo de horrores.
Além dos transtornos causados por enchentes, alagamentos, deslizamentos, engarrafamentos, poluição de todas as espécies, falta de água, de luz e até de ar, falta de espaço para circulação (a pé ou de carro) e escassez de áreas de lazer públicas, as edificações da cidade adquiriram feições extremamente antiestéticas: ou são lojas do tipo "caixote", ou casas geminadas sem jardim, ou torres altas e desproporcionais aos terrenos.
Sem mencionar as favelas, os moradores de rua e todas as questões envolvendo o déficit habitacional. Nada disso existiria se tivesse havido um melhor planejamento urbano e ambiental, bem como investimentos em infra-estrutura e saneamento básico. Nem tudo, porém, está perdido.
Sobraram, para nossa sorte, os bairros-jardim, planejados e loteados pela companhia City of São Paulo no início do século passado e que demonstram antevisão ambiental extraordinária, fruto do trabalho do arquiteto inglês Berry Parker.
Alguns desses bairros foram tombados, outros se encontram em processo de tombamento, como o Alto da Lapa, também conhecido como "City Lapa", onde a horizontalidade da ocupação permite a circulação de ventos que arejam os locais próximos ao centro expandido, amenizando os efeitos dos fenômenos climáticos das ilhas de calor. As grandes áreas verdes, que garantem a permeabilidade do solo, são de inestimável serventia para a absorção das águas pluviais e o controle das enchentes.
O Alto da Lapa, além de proporcionar uma valiosa contribuição à estética verde da cidade de São Paulo, é rota de inúmeras espécies de pássaros -cujas presenças configuram um indicador de qualidade de vida- que aí se abrigam, se aninham, procriam.
Todo esse patrimônio histórico, cultural, ambiental, paisagístico, arquitetônico, botânico e biológico -que já foi objeto de estudo de especialistas da qualidade de Aziz Ab'Saber, Candido Malta Campos Filho, Elizabeth Höfling e Ana Maria Giulietti- está correndo sério risco de descaracterização, com o conseqüente desaparecimento de um dos pulmões da cidade.
Em decorrência de restrições impostas pelo loteador e pelo zoneamento, é proibida a construção de prédios de habitação coletiva no miolo residencial do Alto da Lapa. Não obstante, algumas construtoras insistem em querer erguer empreendimentos gigantescos no bairro, desrespeitando as regras proibitivas e as necessidades de uma metrópole triste, caótica e insalubre.
Por essa razão, os moradores do Alto da Lapa se organizaram em associação e foram obrigados a ingressar com processos administrativos e judiciais para garantir a preservação do bairro, da qualidade de vida, das espécies animais e vegetais.
No entanto, a morosidade da Justiça e a insensibilidade de alguns podem fazer com que décadas de zelo ambiental e urbanístico se percam. É preciso reconhecer que, graças ao Ministério Público do Estado de São Paulo, à Justiça paulista, ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF (Supremo Tribunal Federal), muito estrago se conseguiu evitar. Obras irregulares foram embargadas, serviços públicos foram regularizados, propinas foram desmascaradas, poluidores foram obrigados a usar filtros, praças foram recuperadas.
Atualmente, a Prefeitura de São Paulo também vem colaborando, mas, acima de tudo, é a mobilização incansável de moradores a grande responsável pela preservação da área.
E, no presente momento, eles estão precisando do apoio e da compreensão dos poderes constituídos, principalmente do Poder Judiciário, a quem cabe a última palavra de salvação ou de destruição desse patrimônio de incomensurável valor, não apenas urbanístico mas, sobretudo, ambiental.

LUIZA NAGIB ELUF é procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso).


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