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RUY CASTRO
O mergulhão morreu em vão
RIO DE JANEIRO - Há dez anos, a
foto (por Domingos Peixoto) de um
mergulhão todo sujo de óleo, saindo com dificuldade da água escura e
lutando para respirar numa praia
também manchada de óleo, comoveu o mundo. Ele era uma das vítimas do vazamento de 1,3 milhão de
litros de um duto da Petrobras na
baía de Guanabara, que matou milhares de aves e toneladas de peixes,
contaminou manguezais sem conta
e influiu diretamente na cadeia de
vida no mar. Foi a maior tragédia
ambiental na história da baía.
A imagem do mergulhão asfixiado era uma dura condenação da
ação miserável do homem, de seu
devastador domínio sobre a natureza. Conheço gente que ficou sem
dormir por isso. Não se tratava apenas de um ser em agonia, mas do
que ele representava -as muitas famílias, humanas ou não, que, como
ele, tinham perdido seu ambiente e
sustento. Algumas dessas famílias
nunca se recuperaram, e boa parte
do óleo continua até hoje no fundo
da baía.
Onze funcionários da Petrobras
foram processados. Dez anos depois, o processo terminou, e com o
resultado que se esperava: todos, de
um jeito ou de outro, absolvidos.
Nem a angustiante figura do mergulhão conseguiu sobrepujar as firulas e tecnicalidades jurídicas que
levaram à absolvição.
Ouço dizer que, na época da calamidade, os sistemas de controle
dessas agressões pelo Ibama eram
muito mais tíbios e que, hoje, a Petrobras não se safaria tão facilmente. Leio também que a própria Petrobras, prevenindo zebras, passou
a investir mais na gestão ambiental.
Quero crer. Até lá, vale o que um
cético disse outro dia: exceto se for
pobre, ninguém vai preso no Brasil;
se preso, não será julgado; se julgado, não será condenado; e, se condenado, não terá de cumprir a pena.
O mergulhão morreu em vão e pelos pecados de todos nós.
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