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O memorando Bresser
ANTONIO DELFIM NETTO
Conta-se que Dean Acheson, o famoso secretário de Estado do presidente Truman, dizia que ``um memorando é produzido não para informar
o leitor, mas para proteger o autor''. A
grande verdade escondida nessa boutade veio à minha mente quando li
uma interessante nota do professor (e
ministro) Luiz Carlos Bresser Pereira,
``As três formas de desvalorização
cambial'', publicada no número 65,
janeiro/março 1997, da revista ``Economia Política'', págs. 142-146.
Não é preciso concordar inteiramente com ela para reconhecer que
pelo menos um membro do governo
fala coisa com coisa em matéria de
câmbio. Em lugar da arrogância dos
fundamentalistas, um cuidadoso
``hedge'': 20% para ``informar o leitor'' e 80% para ``proteger o autor''.
O ilustre professor não comete o erro grosseiro tão comum entre nós de
afirmar que ``a desvalorização causa
inflação''. Alerta que o ``problema é
como evitar que a desvalorização seja
apenas nominal, ou seja, como impedir que os preços internos subam na
proporção do preço da moeda estrangeira''.
Uma desvalorização pode levar a um
aumento da inflação, mas não pode
causar uma inflação. A desvalorização
é uma mudança de preços relativos.
Os preços dos bens potencialmente
exportáveis crescem com relação aos
preços dos bens não-exportáveis, aumentando a rentabilidade do setor exportador, enquanto a inflação, ao
contrário, é um aumento persistente
de todos os preços.
Como sempre diz um outro ilustre
economista do governo, quando sobe
o preço da banana não cresce a inflação, apenas diminui instantaneamente a demanda de banana e aumenta
-depois de alguns meses- a oferta
dos deliciosos frutos da ``musa paradisíaca'', exatamente porque melhorou a rentabilidade do bananal!
Como é evidente, ``causar'' tem o
sentido da inexorabilidade; ``levar a''
tem o sentido da possibilidade. E se
essa possibilidade vai transformar-se
em realidade ou não, depende de muitas outras coisas: 1) em que medida os
salários são indexados e qual o período de sua correção; 2) se a política
monetária vai ou não sancionar as
tensões que certamente aparecerão
quando se concretizar a mudança dos
preços relativos e 3) do comportamento da política fiscal, pois uma redução do déficit público corta a demanda total e libera recursos para
ampliar a oferta dos bens potencialmente exportáveis, facilitando o agente.
O argumento de que a desvalorização leva à inflação não é convincente.
Ou melhor, é tão convincente quanto
o de que a inflação leva à desvalorização. Economias em pleno emprego,
indexação plena e correção mensal de
salários, política monetária e política
fiscal frouxas ou produzem, simultaneamente, inflação e desvalorização,
ou explodem rapidamente com uma
crise externa.
Uma desvalorização bem-sucedida,
feita nas condições adequadas, aumenta as exportações e reduz as importações porque altera os preços relativos. Ela pode produzir, no máximo, um choque inicial único nos preços, mas certamente não causara inflação, que é um aumento persistente
de todos os preços.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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