São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

Ninho de paradoxos

O CAOS TRIBUTÁRIO e o aumento da carga de impostos dos últimos 20 anos não são produtos do acaso. Numa larga medida, resultam dos desejos da sociedade brasileira explicitados na Constituinte de 1988. O momento foi impróprio: havia ainda a disfuncional polarização política entre os EUA e a URSS. A composição da Constituinte foi uma tragédia ideológica produzida pela vitória esmagadora do governo no rastro do sucesso inicial do Plano Cruzado. Na área econômica, a teoria transformara-se no pior instrumento de convencimento. No pensamento "ilustrado" da maioria dos constituintes, o socialismo seria o estado superior do capitalismo! O resto era "direita" e errado...
O resultado final foi um ninho de paradoxos. Um capítulo dos direitos individuais que é uma pequena jóia. Um capítulo dos direitos sociais generoso e à altura dos melhores Estados do Bem-Estar se tivéssemos uma renda per capita quatro vezes maior do que temos. As disposições relativas às instituições propícias a dar maior eficácia ao sistema produtivo revelam, entretanto, uma miopia gritante. Vinte anos depois, o governo toma novamente a iniciativa de sugerir ao Congresso uma reforma tributária.
O projeto é competente -e o momento é propício-, mas não tem como atacar o fulcro da questão: o lamentável exagero da carga tributária bruta (cerca de 37%) quando comparada com países com a nossa renda per capita (entre 20% e 24%). Combinada com a evidente ineficiência do Estado, ela explica por que os brasileiros têm os serviços públicos mais caros do mundo.
Deve ser claro que não estamos diante de um problema técnico, mas de um problema político de distribuição do poder entre os três níveis da Federação. Ele se manifesta no nível da apropriação de recursos que cada um tenta obter. É por isso que uma eficaz reforma tributária deveria ser precedida: 1º) por uma melhora da "produtividade" e da "qualidade" dos serviços do Estado (União, Estados e municípios) que tornasse possível a diminuição da carga tributária e 2º) por um programa permanente e crível de redução das disparidades regionais que foram esquecidas nos últimos anos.
A chamada "guerra fiscal" é simplesmente o nome feio para as medidas "ad hoc" que os Estados menos desenvolvidos (que têm maioria no Senado) escolheram para reduzir as desigualdades regionais que o mercado é incapaz de fazer.
Promessas dificilmente os convencerão a entregar a pequena liberdade fiscal que ainda lhes resta. Eles têm uma larga e amarga experiência sobre o comportamento da União...


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ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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