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FERNANDO RODRIGUES
Lula, os pobres e os ricos
BRASÍLIA - É um fato da vida que, no
Brasil, os ricos têm mais acesso à Justiça do que os pobres. O governo Lula
inovará. É a favor de oficializar parte
desse apartheid judiciário.
A história tem uma gênese aparentemente nobre. O Planalto tem interesse na rápida aprovação do projeto
de lei 4.747, de 1998, de autoria do então senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE). Chamada de "lei do bom samaritano", a legislação pretende facilitar a doação de alimentos a "programas governamentais de combate ao
desperdício e à fome". O alvo principal é o Fome Zero.
Uma das razões para o Fome Zero
não deslanchar, no entender do governo, é a responsabilidade objetiva
do doador de alimentos. Não interessa se for culpa do fabricante quando
o leite em pó está estragado. O vendedor ou doador do produto será processado da mesma forma por passar
o alimento adiante. Certo e justo.
O projeto de lei 4.747 muda tudo.
Quem doar para programas do governo deixará de ter responsabilidade objetiva. Se o presunto estiver coberto de salmonelas por culpa do fabricante, o doador sai isento.
Ótimo. Só que se criam automaticamente dois tipos de brasileiros.
Primeiro, o pobre, sujeito a receber
um biscoito mofado. Ficará obrigado
a provar que houve má-fé do supermercado doador para processá-lo.
O segundo tipo de brasileiro é o rico. Comprará a mesma bolacha no
supermercado. Se estiver murcha,
embolorada e causar uma diarréia, o
cidadão de primeira classe poderá
demandar do vendedor uma reparação na Justiça.
Relator do projeto na Câmara, o
deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF) considera o tema polêmico.
"Cerca de 30% dos alimentos dos restaurantes são jogados fora", argumenta. É um ponto a ser observado.
Mas a criação de duas classes de cidadãos também é.
Se ninguém gritar, o projeto será
aprovado nos próximos dias.
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