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JOSÉ SERRA
Governar é preciso
"Não há necessidade maior para as pessoas
que vivem em comunidade do que a de serem governadas, autogovernadas se possível, bem governadas se tiverem sorte, mas,
em qualquer caso, governadas."
(Walter Lippmann)
O governo Lula sofre de três problemas endógenos, começando
pela falta de programa. O PT tinha um
programa histórico que se baseava
num diagnóstico-denúncia da sociedade brasileira: desigualdades, falta de
acesso da grande maioria da população a terra, educação e saúde, economia a serviço dos bancos e do imperialismo, corrupção na administração,
domínio da mídia pelos grandes grupos econômicos.
Chegando ao governo federal, o PT
engavetou esse programa, mas não o
substituiu por outro coerente. Foi acometido por uma variante da síndrome
de Estocolmo -aquela que torna as
vítimas apaixonadas por seus algozes.
O que era condenado passou a ser
adotado com gosto: aliança com os setores mais atrasados da política brasileira, política econômica baseada num
tripé de juros estratosféricos, carga tributária sideral e cortes draconianos de
gastos essenciais, revogação do instituto da CPI, devoção aos credos do
mercado financeiro internacional.
O segundo problema é a falta de capacidade administrativa para fazer as
coisas acontecerem, inclusive as que
não exigem muito dinheiro. As iniciativas do Palácio do Planalto se resumem a ações de cooptação política,
azeitamento da máquina publicitária,
discursos cansativos e mobilização do
aparato governamental para intimidar forças políticas e instituições que
pensam ou agem de modo diferente
do admitido pelos donos do poder.
Esse padrão, com poucas exceções,
se estende aos ministérios. Mesmo na
Saúde, onde, diferentemente da Educação, se procurou manter as diretrizes do governo Fernando Henrique,
os retrocessos têm sido inegáveis: cortes de recursos, passagem dos remédios genéricos para o segundo plano
das prioridades, loteamento da Funasa e do Inca, desaceleração do cartão
SUS e do Programa de Formação de
Auxiliares de Enfermagem.
O terceiro problema é a ocupação do
aparato de Estado pelo PT. A direção
partidária se transplantou para o núcleo do governo de mala e cuia e espalhou seus seguidores por todas as instâncias. Tudo isso sem nenhum projeto de sociedade, diferentemente do
modelo bolchevique de partidarização do Estado, que tinha pelo menos
uma utopia, maravilhosa para uns ou
abominável para outros, mas real. No
modelo petista, trata-se de um bolchevismo patrimonialista.
Esse modelo tem vários problemas.
Não gera desenvolvimento nem empregos, estanca as políticas sociais,
não incentiva a moralidade e não leva
a uma administração eficiente. Há governo demais se reunindo de forma
exaustiva, armando truques publicitários, caçando bodes expiatórios, desperdiçando recursos públicos, como
no caso dos erros da política de juros
do Banco Central, que custam bilhões
de reais canalizados para rentistas, e
não para produtores. Por outro lado,
no que importa, há governo de menos, funcionando mal.
Com a popularidade em declínio, há
o risco de que a reação petista se torne
cada vez mais baratinada e truculenta,
como já vem acontecendo, tensionando a estabilidade institucional. Assim,
se me perguntassem qual é a maior carência do Brasil hoje, eu diria que é a
falta de governo. A sorte de os brasileiros serem bem governados parece distante, mas, a esta altura, governo que
começasse a funcionar já seria lucro.
José Serra escreve às segundas nesta coluna.
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