São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2004

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Investigação sim, CPI não

FERNANDO BEZERRA


O que ocorreu é grave; é preciso um completo esclarecimento. Mas, a partir daí, querer uma CPI é ir longe demais

Como todos devem estar lembrados, a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi antecedida por completa histeria no mercado financeiro nacional e internacional. O risco Brasil ganhou a estratosfera, e a captação de recursos no exterior tornou-se extremamente onerosa.
O país, era voz corrente, estava à beira do abismo. Falava-se em quebra de contratos, rompimento com o FMI e até mesmo em calote das dívidas externa e interna, a exemplo do que havia feito a Argentina, embora o cenário político dos dois países fosse tão diferente quanto a água e o óleo.
O quadro não poderia ser pior.
Empossado presidente da República, Lula entregou a condução da economia a dois homens responsáveis, Antonio Palocci Filho, no Ministério da Fazenda, e Henrique Meirelles, na presidência do Banco Central. A formação do governo ensejou a oportunidade de constituir ampla coalizão partidária, dando-lhe folgada maioria nas duas Casas do Congresso -maior até do que a que teve Fernando Henrique Cardoso.
Logo no primeiro ano de governo foram aprovadas as reformas tributária e a da Previdência Social, avanços que Fernando Henrique tentara insistentemente em seus dois mandatos sem lograr êxito. Claro, foram reformas parciais, que ainda terão de ser aperfeiçoadas, mas que não deixam de constituir um marco evolutivo.
O humor dos investidores mudou. O dólar, que havia chegado a R$ 4, recuou. Onde predominava a incerteza, passou a germinar a confiança indispensável ao capital e, como desdobramento, aos investimentos.
Em sucessivas viagens ao exterior, o presidente Lula foi aclamado como o líder político mais importante da América Latina, a quem as nações mais poderosas rendiam homenagens.
Tudo parecia ir bem, ou pelo menos no caminho correto, quando ocorreu o episódio Waldomiro Diniz. O céu tornou-se escuro outra vez. Depois de acertarmos em aspectos fundamentais da política econômica, perdemo-nos nas trilhas subseqüentes, levando inclusive o presidente Lula a amargar inédita queda de apoio nas pesquisas de opinião. As avaliações dos presidentes da República, no Brasil, geralmente oscilam em razão de acontecimentos econômicos relevantes, o que não aconteceu nesse caso.
É grave o que ocorreu? É evidente que sim -e é preciso haver um completo esclarecimento, a fim de que tal episódio, pela sua complexidade, não acabe por contaminar todo o governo. Mas, a partir daí, querer que se instale uma CPI é ir longe demais.
Fui líder do governo FHC no Senado e, mais tarde, seu ministro da Integração Nacional. Testemunhei seus esforços, aliás plenamente justificados, a fim de impedir a instalação de uma CPI para investigar supostas irregularidades no seu governo. E não era por medo do que se poderia apurar, mas pelo temor da paralisia que, seguramente, ela traria aos trabalhos do Congresso e das irreparáveis perdas que ocasionaria à atividade econômica. Certamente não é um instrumento de investigação ao qual recorrer com freqüência, inclusive porque seus efeitos colaterais são terríveis, alimentando a imprensa diariamente com noticiários, muitas vezes sensacionalistas, em que cada parlamentar quer aproveitar para ganhar espaço e ter os seus momentos de glória. É só olhar para as CPIs do passado.
Não temos a Polícia Federal? O Ministério Público, que tantos serviços prestou em passado recente, até mesmo com alguns abusos, não está funcionando na sua plenitude? E o ouvidor-geral da União? Os instrumentos legais estão aí, precisam é funcionar. E nada impede que isso aconteça.
Vive-se um momento singular de democracia, e a legitimidade da legislação coexiste com as vastas possibilidades de sua aplicação na prática. A nova fita divulgada pelo "Jornal Nacional" dá fortes evidências de que os adversários do governo manobraram politicamente na divulgação da fita anterior. Isso é o que deixam entender as afirmações enfáticas do subprocurador-geral da República José Roberto Santoro, que, no caso, extrapolou as suas atribuições funcionais. É certo que uma coisa não anula a outra. As investigações, agora mais do que nunca, têm que continuar até que a verdade na sua forma mais cristalina prevaleça.
A história brasileira não tem sido, em geral, um exemplo contínuo de sensatez. É verdade que não encetamos absurdas e tresloucadas aventuras, como muitas empreendidas por povos mais bem desenvolvidos do que nós. Mas, neste momento, o que deve preponderar, no meu entender, é a serenidade, que hoje se impõe como fonte de permanente diálogo construtivo e de clara visão dos efetivos interesses da nação.
Não podemos nem pensar em outra década perdida. É necessário e indispensável que o Brasil continue a avançar no rumo previsto, apesar da turbulência política.

Fernando Bezerra, 63, senador pelo PTB-RN, é o líder do governo no Congresso Nacional. Foi ministro da Integração Nacional (governo Fernando Henrique).


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