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CLÁUDIA COLLUCCI
Aprendendo com a dengue
NÃO É DE HOJE que os epidemiologistas alertam para
um aumento das complicações da dengue, em especial a hemorrágica, e para uma maior proporção de crianças infectadas. À
medida que as pessoas contraem
dengue por um determinado subtipo de vírus e se reinfectam na seqüência por outro, mais agressivo,
cresce a chance de complicação.
A maior letalidade entre crianças
se explica pelo fato de elas não terem tido contato anterior com o vírus -no caso do Rio, o do subtipo 2.
Essa dinâmica ocorreu na Ásia nas
décadas de 70 e 80 e é possível que
esteja se repetindo no Brasil.
Mas não é só isso. As mortes
também expõem a fragilidade e o
despreparo do modelo de assistência médica no país, que tem como
referência principal o hospital. Os
problemas passam por falhas no
atendimento básico, nas orientações do Ministério da Saúde e na
precária formação dos médicos para o atendimento de epidemias.
A falta de um cuidado continuado na rede básica de saúde faz com
que a porta de entrada do doente
seja a emergência dos hospitais,
onde nem sempre há médicos preparados para realizar a triagem dos
casos de risco, conforme preconiza
a Organização Mundial da Saúde.
O protocolo do Ministério da
Saúde sobre como os médicos devem tratar a dengue é pouco específico quando se trata do cuidado às
crianças. Ele exibe uma lista de 14
sintomas gerais (em adultos e
crianças) que mais confundem do
que ajudam. Especialistas defendem que o documento seja refeito,
valorizando os sinais mais freqüentes em crianças, como dor abdominal, vômito e prostração.
É fato que, desinformados, muitos médicos subestimaram a dengue no início da epidemia, mandando os pacientes de volta para
casa. O caso do menino Rodrigo
Aguillar, de 6 anos, é exemplar. Em
fevereiro, ele passou por três hospitais em quatro dias antes de morrer, sem que os médicos suspeitassem de dengue hemorrágica.
Uma situação inversa começa a
preocupar os infectologistas: o
diagnóstico superestimado de dengue hemorrágica no Rio. Ele suspeitam que há crianças sendo tratadas como se estivessem com dengue e, na realidade, estão morrendo por outras razões, por exemplo,
meningococcemia -uma infecção
bacteriana grave- e outras infecções propagadas pelo sangue. Também há casos recentes de insuficiência hepática causada provavelmente pelo uso indiscriminado do
paracetanol, em doses altas.
Alardeia-se que as mortes no Rio
foram mortes anunciadas. Que elas
não tenham sido em vão. Que ensinem aos governos a importância da
prevenção contínua; aos médicos, a
necessidade de treinamento, e à
população, a tarefa diária de combater os criadouros do mosquito,
que deve ser tão cotidiana quanto
levantar e escovar os dentes.
CLÁUDIA COLLUCCI é repórter de Cotidiano .
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