São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

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CLÁUDIA COLLUCCI

Aprendendo com a dengue

NÃO É DE HOJE que os epidemiologistas alertam para um aumento das complicações da dengue, em especial a hemorrágica, e para uma maior proporção de crianças infectadas. À medida que as pessoas contraem dengue por um determinado subtipo de vírus e se reinfectam na seqüência por outro, mais agressivo, cresce a chance de complicação.
A maior letalidade entre crianças se explica pelo fato de elas não terem tido contato anterior com o vírus -no caso do Rio, o do subtipo 2.
Essa dinâmica ocorreu na Ásia nas décadas de 70 e 80 e é possível que esteja se repetindo no Brasil.
Mas não é só isso. As mortes também expõem a fragilidade e o despreparo do modelo de assistência médica no país, que tem como referência principal o hospital. Os problemas passam por falhas no atendimento básico, nas orientações do Ministério da Saúde e na precária formação dos médicos para o atendimento de epidemias.
A falta de um cuidado continuado na rede básica de saúde faz com que a porta de entrada do doente seja a emergência dos hospitais, onde nem sempre há médicos preparados para realizar a triagem dos casos de risco, conforme preconiza a Organização Mundial da Saúde.
O protocolo do Ministério da Saúde sobre como os médicos devem tratar a dengue é pouco específico quando se trata do cuidado às crianças. Ele exibe uma lista de 14 sintomas gerais (em adultos e crianças) que mais confundem do que ajudam. Especialistas defendem que o documento seja refeito, valorizando os sinais mais freqüentes em crianças, como dor abdominal, vômito e prostração.
É fato que, desinformados, muitos médicos subestimaram a dengue no início da epidemia, mandando os pacientes de volta para casa. O caso do menino Rodrigo Aguillar, de 6 anos, é exemplar. Em fevereiro, ele passou por três hospitais em quatro dias antes de morrer, sem que os médicos suspeitassem de dengue hemorrágica.
Uma situação inversa começa a preocupar os infectologistas: o diagnóstico superestimado de dengue hemorrágica no Rio. Ele suspeitam que há crianças sendo tratadas como se estivessem com dengue e, na realidade, estão morrendo por outras razões, por exemplo, meningococcemia -uma infecção bacteriana grave- e outras infecções propagadas pelo sangue. Também há casos recentes de insuficiência hepática causada provavelmente pelo uso indiscriminado do paracetanol, em doses altas.
Alardeia-se que as mortes no Rio foram mortes anunciadas. Que elas não tenham sido em vão. Que ensinem aos governos a importância da prevenção contínua; aos médicos, a necessidade de treinamento, e à população, a tarefa diária de combater os criadouros do mosquito, que deve ser tão cotidiana quanto levantar e escovar os dentes.


CLÁUDIA COLLUCCI é repórter de Cotidiano .


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