São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

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RUY CASTRO

Viúvos de Glauber

RIO DE JANEIRO - São Paulo, com mais a fazer, não tomou conhecimento de uma discussão que sacudiu setores do Rio na semana passada -talvez umas 18 pessoas- e que, em outros tempos, teria provocado um sismo no pensamento nacional: a declaração do humorista do "Casseta" Marcelo Madureira de que Glauber Rocha era "uma merda".
Estivéssemos em 1978, não 2008, e pode-se imaginar o arranca-rabo que essa frase teria provocado. Artistas começariam a se estapear pelos jornais; a USP promoveria um ciclo de debates; os "Cadernos do Cebrap" tirariam edições extras; a CNBB seria chamada a arbitrar; haveria uma noite de vigília no Teatro Oficina; e o assunto logo renderia teses de doutorado na Unicamp.
E com razão. O que estaria em pauta não seria o conteúdo da afirmação, se Glauber seria ou não "uma merda", mas o direito de Marcelo proferi-la. Afinal, pouco antes naquela época, o cineasta Cacá Diegues tinha detonado as patrulhas ideológicas, garantindo-nos o direito de pensar a contrapelo do "politicamente correto".
Trinta anos depois, esse direito acaba de ser contestado. Ao ouvir a imprecação de Madureira, os viúvos de Glauber estrilaram. Levou-se "Deus e o Diabo" à ABI em desagravo, a família do baiano ameaçou processar e, como argumento fatal, alguém sentenciou: "As pessoas não podem sair falando qualquer coisa. Daqui a pouco vão dizer que Niemeyer é uma merda".
Ué, também não pode? Acontece que Glauber estava vivo em 1978, e muitos dos que hoje o defendem tinham acabado de romper com ele por sua surpreendente opinião de que o general Golbery, guru da ditadura, era um "gênio da raça". Golbery não fazia jus à tão alto conceito, mas ninguém podia impedir o incorretíssimo Glauber de jogar frases como aquela no ventilador.


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