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RUY CASTRO
Viúvos de Glauber
RIO DE JANEIRO - São Paulo,
com mais a fazer, não tomou conhecimento de uma discussão que sacudiu setores do Rio na semana
passada -talvez umas 18 pessoas-
e que, em outros tempos, teria provocado um sismo no pensamento
nacional: a declaração do humorista do "Casseta" Marcelo Madureira
de que Glauber Rocha era "uma
merda".
Estivéssemos em 1978, não 2008,
e pode-se imaginar o arranca-rabo
que essa frase teria provocado. Artistas começariam a se estapear pelos jornais; a USP promoveria um
ciclo de debates; os "Cadernos do
Cebrap" tirariam edições extras; a
CNBB seria chamada a arbitrar; haveria uma noite de vigília no Teatro
Oficina; e o assunto logo renderia
teses de doutorado na Unicamp.
E com razão. O que estaria em
pauta não seria o conteúdo da afirmação, se Glauber seria ou não
"uma merda", mas o direito de Marcelo proferi-la. Afinal, pouco antes
naquela época, o cineasta Cacá Diegues tinha detonado as patrulhas
ideológicas, garantindo-nos o direito de pensar a contrapelo do "politicamente correto".
Trinta anos depois, esse direito
acaba de ser contestado. Ao ouvir a
imprecação de Madureira, os viúvos de Glauber estrilaram. Levou-se "Deus e o Diabo" à ABI em desagravo, a família do baiano ameaçou
processar e, como argumento fatal,
alguém sentenciou: "As pessoas
não podem sair falando qualquer
coisa. Daqui a pouco vão dizer que
Niemeyer é uma merda".
Ué, também não pode? Acontece
que Glauber estava vivo em 1978, e
muitos dos que hoje o defendem tinham acabado de romper com ele
por sua surpreendente opinião de
que o general Golbery, guru da ditadura, era um "gênio da raça". Golbery não fazia jus à tão alto conceito, mas ninguém podia impedir o
incorretíssimo Glauber de jogar
frases como aquela no ventilador.
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