São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ações afirmativas: as razões da UnB

TIMOTHY MARTIN MULHOLLAND

A discussão sobre a exclusão social e ações afirmativas na UnB (Universidade de Brasília) é resultado direto da 3ª Reunião Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, África do Sul, em 2001. Nessa reunião o Brasil comprometeu-se formalmente com a erradicação da discriminação praticada contra cidadãos negros.
As ações afirmativas da UnB basearam-se na análise de dados do Ipea e do IBGE que comprovam: em todos os espaços da vida nacional, os negros brasileiros encontram-se em condições de desigualdade. Tais pesquisas refutaram definitivamente o mito da democracia racial, o qual, por sua vez, dispensava o estudo da exclusão racial no país. Refutaram também a alegação de que a exclusão econômico-social é a causa determinante da situação do negro no Brasil.
A discriminação racial opera como fator específico de exclusão. Por isso as políticas universalistas, iniciadas no século 20, fracassaram em criar as condições que promovessem a igualdade de oportunidade para brasileiros negros. O racismo não se resume a agressões pontuais contra negros e, portanto, a discriminação não será erradicada apenas pela punição dos agressores. É preciso intervir nos processos que produzem essa exclusão estrutural para alterar o quadro de desigualdade social advinda da discriminação.


Em todos os espaços da vida nacional, os negros brasileiros encontram-se em condições de desigualdade


O vestibular da UnB é um dos mais concorridos do país, com mais de 30 mil candidatos para menos de 2.000 vagas por semestre. Em alguns cursos, a concorrência ultrapassa 60 candidatos por vaga. Esse nível absurdo de competição é resultado do abandono das universidades públicas pelo governo federal, a partir do início dos anos 90. Por isso, 90% dos nossos jovens não têm acesso ao ensino superior. Só 3% estudam em universidades públicas, que oferecem ensino gratuito e de reconhecida qualidade. Não é falta de competência dos candidatos, é falta de vagas.
Após três anos de debates, a UnB definiu sua política de ações afirmativas, que inclui o sistema de cotas para negros, escolhido por ser o mecanismo com o qual a universidade pode produzir resultados concretos quanto ao acesso de jovens negros qualificados em número maior e mudar o perfil do corpo discente, no médio prazo, para que ele se aproxime da composição racial da população.
Desde a implementação do Programa de Avaliação Seriada e dos cursos noturnos, nos anos 90, a UnB já tem aumentado significativamente o ingresso de alunos de baixa renda e oriundos de escolas públicas. O fortalecimento do apoio da UnB ao ensino público no Distrito Federal é outro mecanismo de inclusão social que também mostrou resultados. Essas medidas, porém, não alteraram significativamente a composição racial do nosso corpo discente.
O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, responsável pelas normas de admissão da UnB, aprovou em de junho de 2003 o Plano de Metas para Integração Étnica, Racial e Social, enfocando a inclusão de alunos negros e indígenas, bem como a intensificação do apoio às escolas públicas. Decisão refletida, consciente e madura, digna da história da UnB.
A análise das experiências das universidades do Rio de Janeiro, Bahia e Mato Grosso, bem como as simulações realizadas com os dados do nosso último vestibular, permitiram-nos estabelecer diretrizes para o procedimento a ser seguido. Nosso público-alvo é o candidato negro -aquele brasileiro que, devido a sua aparência física, seu fenótipo, é discriminado sistematicamente na sociedade.
Nosso processo não será invalidado ou desmoralizado pelos candidatos que, eventualmente, se inscreveram sem atender aos critérios estabelecidos no edital. A autodeclaração, por si só, demonstrou-se frágil como instrumento único de inscrição. A discriminação se dá socialmente, por isso a implementação de ações afirmativas terá de se dar da mesma maneira.
Nossos estudos também nos permitem previsões seguras sobre o processo: o estudante selecionado pelo sistema de cotas trará condições de desempenho pleno como universitário. Os alunos desse sistema serão recebidos no campus, como é próprio do meio acadêmico. Receberemos mais alunos de baixa renda, o que exigirá apoio em termos de bolsas e suporte social para garantir sua permanência.
Fiel à sua missão pública, a UnB se une às demais instituições comprometidas com a redução das profundas desigualdades no Brasil e, assim, participa da construção de um caminho de efetiva inclusão social.

Timothy Martin Mulholland, 54, doutor em psicologia pela Universidade de Pittsburgh (EUA), é vice-reitor da Universidade de Brasília.


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