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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positivo o projeto que prevê o monitoramento eletrônico de condenados e presos provisórios?
NÃO
Foco distorcido
GUNTHER ALOIS ZGUBIC e JOSÉ DE JESUS FILHO
A COMISSÃO de Constituição e
Justiça do Senado acaba de
aprovar dois projetos estabelecendo o monitoramento eletrônico
de condenados e presos provisórios.
Por sua vez, tramitam na Câmara três
projetos versando sobre o tema. Todos falam em diminuição da população prisional. No entanto, tais proposições não visam alternativas à pena
privativa de liberdade, mas sim alternativas à própria liberdade.
Os projetos pretendem o uso de
dispositivos eletrônicos em condenados que cumprem pena nos regimes
aberto e semi-aberto, no livramento
condicional e em presos provisórios.
Ora, nas três primeiras situações,
os investigados ou condenados já gozam da liberdade, ainda que restringida no tempo e no espaço. A colocação
de dispositivos para o rastreamento
de seus passos representará, desse
modo, um "plus" no controle dos condenados, e não uma alternativa à privação da liberdade tendente a reduzir
a superpopulação prisional.
Em nenhum momento o monitoramento eletrônico se apresenta como
alternativa à prisão. Ele sempre aparece como acréscimo na privação ou
restrição à liberdade. Mesmo quando
aplicado aos presos provisórios, ficam
excluídos os que praticaram crimes
hediondos, com grave ameaça ou com
violência à pessoa. E, nesses casos, os
juizes já não concedem a liberdade
provisória. De modo que não há nenhum benefício com o monitoramento eletrônico. Exceto para a indústria
do controle do crime. Para essa, os benefícios econômicos são evidentes.
Mesmo que houvesse mudança legislativa efetivamente dirigida a substituir a pena reclusiva por um "cárcere virtual", ainda assim não é certo
que haveria uma desaceleração do
crescimento da população prisional.
Para constatar isso, basta recordar
que a ampliação do rol de crimes atingidos por penas alternativas não significou diminuição da pena privativa
de liberdade, ao contrário, a população carcerária continuou crescendo.
De fato, criar alternativas à pena de
prisão não atingiu necessariamente
os operadores do direito, especialmente juízes e promotores, que continuam refletindo a demanda social
por mais punição. Em outras palavras, mais leis não resolvem um problema que é cultural.
Receamos também que o uso de
dispositivos eletrônicos em condenados não pare aí, mas que sua aplicação
se estenda "ad infinitum", ampliando
o controle social. Agora se propõe o
uso em condenados; futuramente,
nos demais cidadãos. E, claro, sempre
sob o argumento de que ninguém está
obrigado a usar o mecanismo, mas
sem eles fica mais difícil ter emprego,
conta bancária e assim por diante.
Se o dispositivo for, como querem
alguns, um microchip do tamanho de
um grão de arroz inserido por baixo
da pele, permitindo até monitorar os
batimentos cardíacos e a pressão arterial, ele significará uma invasão da
intimidade da pessoa.
Por fim, é importante recordar que
tais alterações pontuais com freqüência ferem a sistematicidade do sistema penal. E, nessa década, como na
precedente, o Congresso Nacional foi
profícuo em bombardear o sistema
com leis esparsas e contraditórias,
das quais o maior exemplo é a Lei dos
Crimes Hediondos.
Por essa razão, esperamos que
qualquer alteração venha precedida
de ampla reflexão e discussão, ouvindo especialistas e tomando conhecimento das experiências já realizadas
em outros países.
Na Inglaterra, por exemplo, houve
um recuo no processo de implantação
do monitoramento eletrônico ao se
perceber que o sistema ainda era falho. Também carecemos de um estudo do investimento necessário, pois
ele não se resume à colocação de um
chip ou uma tornozeleira.
Se a intenção de aplicar o monitoramento eletrônico é reduzir a superpopulação, e não aumentar o controle
e a punição, então qualquer proposta,
para ser efetiva, deverá contemplar
aqueles condenados no regime fechado.
GUNTHER ALOIS ZGUBIC, 57, é sacerdote católico e
Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária.
JOSÉ DE JESUS FILHO, 32, é missionário oblato de Maria
Imaculada e advogado da Pastoral Carcerária.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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