São Paulo, terça-feira, 05 de maio de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Crise, patentes e inovação

ROBERTO NICOLSKY


Em 2008, foram concedidas 101 patentes para o Brasil pelo USPTO, contra 1.536 para a China, 634 para a Índia e 152 para a Malásia

A CRISE da economia global envolveu o Brasil mais do que se esperava. Via crédito e exportações, principalmente com a queda das cotações de commodities e do movimento do comércio internacional, está se estendendo a toda a economia. A indústria teve forte retração no último trimestre do ano passado e, embora mostre alguma recuperação relativa no primeiro trimestre deste ano, é certo que teremos uma nova queda da participação do setor manufatureiro no PIB.
Dos 27 setores industriais, apenas dois escaparam dessa contração e registraram expansão: o de celulose e papel (0,4%) e o de aeronaves (6,7%), este último considerando compras efetuadas antes da crise. Não por acaso, setores em que o Brasil detém o domínio da tecnologia.
Mas a crise ainda é maior nas economias desenvolvidas e nos países emergentes mais dinâmicos, como a China, que amarga uma queda das exportações pelo quinto mês consecutivo. A retração ocorrida nos países mais ativos no comércio mundial abre para nós uma oportunidade de ganharmos espaços internos e externos para nossas manufaturas, desde que a nossa indústria desenvolva e agregue inovações atendendo a demandas de consumidores.
Essa agregação pode ser avaliada pelos indicadores de desenvolvimento tecnológico nos anos recentes. Um deles é o comércio exterior. Enquanto os manufaturados correspondem a apenas 35% de nossas exportações, na China essa parcela é de 90%, e na Índia é de 70%. Ou seja, exportamos principalmente commodities, cujos preços não dependem do desempenho do agronegócio nem das empresas de mineração brasileiras.
Mas o mais grave é que as importações que pesam na nossa balança comercial são de produtos com alto conteúdo tecnológico, como os eletroeletrônicos, cujo déficit em 2008 chegou a US$ 23,4 bilhões, crescendo 59%. O dos produtos químicos subiu para US$ 23,6 bilhões em 2008, com alta de 79%. O de máquinas e equipamentos elevou-se 127%, para US$ 10,9 bilhões. Ou seja, nos três principais setores, acumulamos um déficit de US$ 57,9 bilhões, com crescimento total de 79% em apenas um ano.
E como foi o comportamento das patentes, o principal indicador de inovação tecnológica? Como elas só valem no país da outorga, considera-se o maior mercado, ou seja, os EUA.
Em 2008, foram concedidas só 101 patentes para o Brasil pelo USPTO (sigla em inglês do escritório de patentes norte-americano), mantendo o seu 28º lugar, contra 1.536 para a China, 634 para a Índia e 152 para a Malásia, que nos ultrapassou em 2007.
Na soma do quatriênio 2005-2008, que compensa os efeitos das oscilações anuais, verifica-se que tivemos 389 patentes concedidas, contra 511 para a Malásia, 2.044 para a Índia e 4.311 para a China.
A comparação com o quatriênio anterior (2001-2004) mostra que a Índia cresceu 81%, a China, 92%, e a Malásia, 128%, enquanto o Brasil caiu 12%, mantendo a tendência de queda de 13% no triênio terminado em 2007 e de 10% no triênio terminado em 2006. E, não aumentando as patentes, licenciamos as dos outros, o que gerou um déficit de mais US$ 4,8 bilhões no balanço de pagamentos, com crescimento de 17% no ano.
Os déficits e o não crescimento de patentes significam declínio da tecnologia própria, mesmo após uma década de vigência das leis de fomento.
Não se atribua à falta de recursos, pois os recolhimentos carimbados para ciência e tecnologia cresceram pelo menos três vezes na década, retirando hoje do setor produtivo cerca de R$ 3 bilhões por meio da Cide sobre pagamentos de tecnologias e royalties sobre concessões.
As leis destinaram esses recursos a fundos setoriais há cerca de uma década e, nos últimos quatro anos, também a editais de subvenção econômica para "desenvolvimento de produtos e processos inovadores em empresas nacionais" (artigo 19 da Lei de Inovação). Entretanto, apenas 15% dos recursos são repassados às indústrias e de modo altamente discricionário e ineficiente para o desenvolvimento tecnológico do país.
Para aproveitar a oportunidade da crise e reverter essa tendência, precisamos inovar em todo o tecido industrial. Para tanto, há que aplicar com eficácia e de maneira universal os recursos disponíveis, com procedimentos corajosos e ousados de efetivo compartilhamento Estado-empresa produtora do risco tecnológico, para mobilizar toda a indústria brasileira em direção ao desenvolvimento de inovações que lhe deem a competitividade necessária.


ROBERTO NICOLSKY , 70, físico, professor aposentado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica.

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