São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O crescimento do PIB é sustentável?

NÃO

Um "cala a boca" aos seus críticos?

FERNANDO CARDIM

A informação sobre o crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2004 foi recebida com grande euforia pelo governo Lula e pelos economistas e políticos que apóiam a política econômica que vem sendo aplicada no país há mais de cinco anos. O desempenho da economia brasileira estaria mostrando que a preocupação gerada com a queda registrada no PIB de 2003 era equivocada, já que, desde meados do ano passado, a recuperação da economia vinha se desenhando, sendo o resultado de 2004 a confirmação de uma tendência, e não uma surpresa.
Essa argumentação tenta convencer o público de que as decisões de política econômica tomadas em 2003 estavam corretas, que a persistência nesse caminho em 2004, e talvez pelos próximos dez anos, como sugeriu o ministro da Fazenda, não será obstáculo à aceleração do crescimento econômico de que o país necessita para recuperar as perdas dos últimos 25 anos de estagnação.
Em contraste com o entusiasmo desse grupo, empresários mantêm-se cautelosos nos seus planos, consumidores reagem ainda de forma tímida e desigual aos "estímulos" recebidos e mesmo os investidores estrangeiros, em geral os mais entusiastas apoiadores do governo Lula, mantêm uma postura reticente. Alguns analistas chegam mesmo a apontar, no contraste entre o "vigor" da retomada e o pessimismo das expectativas, o risco maior de novo adiamento do início do espetáculo do crescimento. Para eles, a falta de entusiasmo dos empresários seria irracional e injustificada, alimentada talvez pela insistência renitente de reduzido número de economistas em dizer que há alternativas melhores de política econômica. Fosse possível despertar o entusiasmo dos empresários, possivelmente nada seria capaz de deter o crescimento do país! Essa avaliação, além da óbvia supervalorização de argumentos puramente psicológicos ou da influência de críticos, ignora alguns elementos essenciais de fragilidade que permaneceram intocados no governo Lula (como intocados foram no governo FHC).
Os dados divulgados até o momento continuam confirmando o papel quase exclusivo de liderança exercido pelas exportações na determinação da taxa de crescimento econômico. A recuperação da balança comercial vem realmente desde o segundo governo FHC, impulsionada pela mudança de regime cambial em 1999, com vigor semelhante ao exibido pelo setor exportador no passado. Consumo e investimento continuam, contudo, tímidos e fundamentalmente erráticos, o que não deveria surpreender, dado que a política macroeconômica continua contracionária.
O governo se regozija com a redução das taxas de juros obtida depois de 15 meses, alegando que é a menor em vários anos. O professor Delfim Netto observou uma vez que se pode morrer afogado sob 3 m ou sob 10 m de água. Reduzir a taxa de juros a um nível ainda superior à rentabilidade real de praticamente qualquer projeto privado de produção e investimento é preferir se afogar sob 3 m de água.
Além disso, o governo Lula parece não entender dois fatos fundamentais: primeiro, nada do que ele faça pode realmente garantir que taxas de juros não aumentem de novo. A alta do dólar ou do preço do petróleo, novas fugas de capital, como tantas que continuam a ocorrer, ou qualquer outro evento desse tipo levarão o Banco Central inevitavelmente a aumentar a taxa Selic novamente. Segundo, como mostra o mercado futuro, está se aproximando a taxa de juros que o mercado financeiro considera o piso aceitável para a Selic. Esse piso está muito acima do que o presidente imagina atingir. O que acontecerá quando uma nova redução dos juros se chocar com as expectativas dos mercados financeiros, maior sustentáculo doméstico das políticas do presidente?
Do lado da política fiscal, a política de redistribuição de renda, travestida de austeridade fiscal, pela qual recursos são desviados de investimentos e provisão de outros bens públicos para o serviço da dívida, mantém seu caráter regressivo e estagnacionista, forçando o governo a colocar suas esperanças em panacéias como as PPP para realizar os investimentos necessários à recuperação da infra-estrutura produtiva do país. "Superávits primários" não economizam gastos públicos, mas apenas os redirigem para outras rubricas, como o gasto financeiro.
O sucesso do governo em alcançar sua meta de crescimento de 3,5 % para 2004, meta em si pífia e incapaz de arranhar sequer a superfície da prolongada estagnação vivida pela economia brasileira, continua a depender da sorte: se o resto do mundo, apesar de todas as turbulências que se renovam a cada momento, continuar ajudando, o setor externo poderá manter seu fôlego, o dólar poderá se comportar bem, sem importar pressões inflacionárias para dentro da economia brasileira, e talvez os empresários acabem por compartilhar o mesmo entusiasmo dos mercados financeiros. Com sorte, seremos premiados pelo crescimento de 3,5% em 2004!


Fernando J. Cardim de Carvalho é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ.


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