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TENDÊNCIAS/DEBATES
O crescimento do PIB é sustentável?
NÃO
Um "cala a boca" aos seus críticos?
FERNANDO CARDIM
A informação sobre o crescimento do PIB no primeiro trimestre de
2004 foi recebida com grande euforia
pelo governo Lula e pelos economistas e
políticos que apóiam a política econômica que vem sendo aplicada no país há
mais de cinco anos. O desempenho da
economia brasileira estaria mostrando
que a preocupação gerada com a queda
registrada no PIB de 2003 era equivocada, já que, desde meados do ano passado, a recuperação da economia vinha se
desenhando, sendo o resultado de 2004
a confirmação de uma tendência, e não
uma surpresa.
Essa argumentação tenta convencer o
público de que as decisões de política
econômica tomadas em 2003 estavam
corretas, que a persistência nesse caminho em 2004, e talvez pelos próximos
dez anos, como sugeriu o ministro da
Fazenda, não será obstáculo à aceleração do crescimento econômico de que o
país necessita para recuperar as perdas
dos últimos 25 anos de estagnação.
Em contraste com o entusiasmo desse
grupo, empresários mantêm-se cautelosos nos seus planos, consumidores
reagem ainda de forma tímida e desigual aos "estímulos" recebidos e mesmo os investidores estrangeiros, em geral os mais entusiastas apoiadores do
governo Lula, mantêm uma postura reticente. Alguns analistas chegam mesmo a apontar, no contraste entre o "vigor" da retomada e o pessimismo das
expectativas, o risco maior de novo
adiamento do início do espetáculo do
crescimento. Para eles, a falta de entusiasmo dos empresários seria irracional
e injustificada, alimentada talvez pela
insistência renitente de reduzido número de economistas em dizer que há alternativas melhores de política econômica. Fosse possível despertar o entusiasmo dos empresários, possivelmente
nada seria capaz de deter o crescimento
do país! Essa avaliação, além da óbvia
supervalorização de argumentos puramente psicológicos ou da influência de
críticos, ignora alguns elementos essenciais de fragilidade que permaneceram
intocados no governo Lula (como intocados foram no governo FHC).
Os dados divulgados até o momento
continuam confirmando o papel quase
exclusivo de liderança exercido pelas
exportações na determinação da taxa de
crescimento econômico. A recuperação
da balança comercial vem realmente
desde o segundo governo FHC, impulsionada pela mudança de regime cambial em 1999, com vigor semelhante ao
exibido pelo setor exportador no passado. Consumo e investimento continuam, contudo, tímidos e fundamentalmente erráticos, o que não deveria
surpreender, dado que a política macroeconômica continua contracionária.
O governo se regozija com a redução
das taxas de juros obtida depois de 15
meses, alegando que é a menor em vários anos. O professor Delfim Netto observou uma vez que se pode morrer afogado sob 3 m ou sob 10 m de água. Reduzir a taxa de juros a um nível ainda
superior à rentabilidade real de praticamente qualquer projeto privado de produção e investimento é preferir se afogar sob 3 m de água.
Além disso, o governo Lula parece
não entender dois fatos fundamentais:
primeiro, nada do que ele faça pode
realmente garantir que taxas de juros
não aumentem de novo. A alta do dólar
ou do preço do petróleo, novas fugas de
capital, como tantas que continuam a
ocorrer, ou qualquer outro evento desse
tipo levarão o Banco Central inevitavelmente a aumentar a taxa Selic novamente. Segundo, como mostra o mercado futuro, está se aproximando a taxa
de juros que o mercado financeiro considera o piso aceitável para a Selic. Esse
piso está muito acima do que o presidente imagina atingir. O que acontecerá
quando uma nova redução dos juros se
chocar com as expectativas dos mercados financeiros, maior sustentáculo doméstico das políticas do presidente?
Do lado da política fiscal, a política de
redistribuição de renda, travestida de
austeridade fiscal, pela qual recursos
são desviados de investimentos e provisão de outros bens públicos para o serviço da dívida, mantém seu caráter regressivo e estagnacionista, forçando o
governo a colocar suas esperanças em
panacéias como as PPP para realizar os
investimentos necessários à recuperação da infra-estrutura produtiva do
país. "Superávits primários" não economizam gastos públicos, mas apenas os
redirigem para outras rubricas, como o
gasto financeiro.
O sucesso do governo em alcançar sua
meta de crescimento de 3,5 % para
2004, meta em si pífia e incapaz de arranhar sequer a superfície da prolongada
estagnação vivida pela economia brasileira, continua a depender da sorte: se o
resto do mundo, apesar de todas as turbulências que se renovam a cada momento, continuar ajudando, o setor externo poderá manter seu fôlego, o dólar
poderá se comportar bem, sem importar pressões inflacionárias para dentro
da economia brasileira, e talvez os empresários acabem por compartilhar o
mesmo entusiasmo dos mercados financeiros. Com sorte, seremos premiados pelo crescimento de 3,5% em 2004!
Fernando J. Cardim de Carvalho é professor
titular do Instituto de Economia da UFRJ.
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