|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O crescimento do PIB é sustentável?
SIM
Vento a favor
ROBERTO PADOVANI
Tem sido difícil ser otimista nestes
dias. Petróleo em alta, terrorismo,
mercados financeiros mundiais tensos e
incertezas políticas parecem gerar impactos inevitáveis sobre o crescimento:
produção industrial em queda, renda
em lenta recuperação e confiança do
consumidor instável. Nesse ambiente,
como ser otimista com o crescimento?
A boa notícia é que a economia brasileira já está crescendo. E, ao que tudo indica, essa trajetória deverá ser mantida
em 2004. Superadas as incertezas do
processo eleitoral em 2002 e seus impactos inflacionários em 2003, o país
pode finalmente colher os frutos da
normalidade. Ao mostrar que não há
espaço para grandes loucuras, a política
econômica trouxe de volta horizonte e
previsibilidade aos investidores. Reforçou-se a idéia de que as regras do jogo
serão mantidas, a despeito das alternâncias democráticas de poder.
Como resultado, os juros básicos puderam ser reduzidos de 26,5% ao ano
para 16%. Esse impulso monetário, somado à maior confiança presente entre
consumidores e investidores, fez o mercado de crédito se expandir, beneficiando as vendas financiadas. Da mesma
forma, o ambiente de maior confiança
trouxe os investimentos de volta e, paulatinamente, ajuda a recuperar os níveis
de emprego e renda, favorecendo os setores que dependem de vendas à vista.
Os números do primeiro trimestre
deste ano, comparados aos do segundo
trimestre de 2003, o fundo do poço,
confirmam essa história. O volume de
crédito registrou expansão próxima a
5%, explicando o crescimento de cerca
de 19% tanto do setor de bens duráveis
quanto do de bens de capital. A renda já
mostra sinais de vida: nos primeiros
meses deste ano, os salários vêm ganhando a batalha contra a inflação.
Com isso, os setores de bens semiduráveis e não-duráveis de consumo voltam
a respirar, ainda que com taxas modestas de crescimento, da ordem de 1%. Em
conjunto com o desempenho positivo
da agricultura, esses números positivos
da indústria explicam o crescimento de
2,7% registrado no primeiro trimestre.
Para romper essa dinâmica, será preciso que a economia seja atingida por
um novo choque externo. E petróleo e
juros nos EUA são os candidatos do
momento. A questão é saber se um forte
aumento dos juros ou a continuidade
da pressão sobre os preços de petróleo é
o cenário mais provável, a ponto de se
ter a convicção, desde já, de que o crescimento em 2004 não vingará.
Até agora, os dados da economia norte-americana não confirmam essa visão. Diferentemente de 1994, quando
havia um quadro de pressão inflacionária, ou de 1999, quando o crescimento
econômico era robusto o suficiente para
ameaçar a estabilidade de preços, o Fed
está diante de uma economia no início
do ciclo de crescimento e sem pressões
inflacionárias significativas. A baixa utilização da capacidade instalada e os níveis recordes de produtividade do trabalho reforçam a tese de que a inflação
está apenas atenuando o medo de um
processo deflacionário. No caso do petróleo, não fosse o temor gerado pelo
terrorismo e o balanço entre oferta e demanda, daria tranqüilidade aos preços,
com a oferta estimada superando com
folga a maior demanda gerada pelo
aquecimento econômico mundial.
Sem turbulências agudas na frente externa, os fluxos de capitais para o Brasil
podem ser mantidos, favorecendo as
trajetórias de câmbio e juros e, desse
modo, o crescimento. As estatísticas jogam a favor. Como o desempenho do
segundo e terceiro trimestres do ano
passado foi ruim, a comparação com
2003 será vantajosa: mantendo-se os níveis de produção do primeiro trimestre
deste ano, um exercício um tanto conservador, o crescimento do PIB seria de
2,8% em 2004. As estimativas médias de
mercado, no entanto, indicam uma taxa
maior, de 3,5%. Na Tendências Consultoria, nossa visão continua sendo de um
crescimento próximo a 4%.
É natural que haja elevada ansiedade
pela volta do crescimento. Isso explica o
interesse popular pelas decisões do
Banco Central, que, no curto prazo, lidera o processo de retomada. É também
por isso que a agenda de debates acaba
sendo deslocada no Brasil. O crescimento verdadeiro, duradouro, não é
aquele sustentado por cortes marginais
na taxa de juros. Talvez nem por cortes
mais agressivos, que têm o elevado risco
de pressionar o câmbio, elevar a inflação e corroer a renda real do consumidor, inibindo o crescimento. Nesse aspecto, o BC pode muito pouco. As reuniões do Copom, cercadas de tanta paixão, não nos aproximarão do sonhado
crescimento chinês ou indiano.
Para crescer, o Brasil precisará gerar
um ambiente propício aos negócios, e
isso tem nome: definição e respeito às
regras. Pode parecer pouco, mas é o que
falta para que os investimentos continuem em recuperação, principalmente
nos setores de infra-estrutura. O vento
hoje, portanto, está a favor. Quanto a isso parecem restar poucas dúvidas. A
questão central é saber se o rumo para o
crescimento sustentável será mantido.
Roberto Padovani, 37, mestre em economia
pela FGV-SP, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Fernando Cardim: Um "cala a boca" aos seus críticos? Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|