São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O crescimento do PIB é sustentável?

SIM

Vento a favor

ROBERTO PADOVANI

Tem sido difícil ser otimista nestes dias. Petróleo em alta, terrorismo, mercados financeiros mundiais tensos e incertezas políticas parecem gerar impactos inevitáveis sobre o crescimento: produção industrial em queda, renda em lenta recuperação e confiança do consumidor instável. Nesse ambiente, como ser otimista com o crescimento?
A boa notícia é que a economia brasileira já está crescendo. E, ao que tudo indica, essa trajetória deverá ser mantida em 2004. Superadas as incertezas do processo eleitoral em 2002 e seus impactos inflacionários em 2003, o país pode finalmente colher os frutos da normalidade. Ao mostrar que não há espaço para grandes loucuras, a política econômica trouxe de volta horizonte e previsibilidade aos investidores. Reforçou-se a idéia de que as regras do jogo serão mantidas, a despeito das alternâncias democráticas de poder.
Como resultado, os juros básicos puderam ser reduzidos de 26,5% ao ano para 16%. Esse impulso monetário, somado à maior confiança presente entre consumidores e investidores, fez o mercado de crédito se expandir, beneficiando as vendas financiadas. Da mesma forma, o ambiente de maior confiança trouxe os investimentos de volta e, paulatinamente, ajuda a recuperar os níveis de emprego e renda, favorecendo os setores que dependem de vendas à vista.
Os números do primeiro trimestre deste ano, comparados aos do segundo trimestre de 2003, o fundo do poço, confirmam essa história. O volume de crédito registrou expansão próxima a 5%, explicando o crescimento de cerca de 19% tanto do setor de bens duráveis quanto do de bens de capital. A renda já mostra sinais de vida: nos primeiros meses deste ano, os salários vêm ganhando a batalha contra a inflação. Com isso, os setores de bens semiduráveis e não-duráveis de consumo voltam a respirar, ainda que com taxas modestas de crescimento, da ordem de 1%. Em conjunto com o desempenho positivo da agricultura, esses números positivos da indústria explicam o crescimento de 2,7% registrado no primeiro trimestre.
Para romper essa dinâmica, será preciso que a economia seja atingida por um novo choque externo. E petróleo e juros nos EUA são os candidatos do momento. A questão é saber se um forte aumento dos juros ou a continuidade da pressão sobre os preços de petróleo é o cenário mais provável, a ponto de se ter a convicção, desde já, de que o crescimento em 2004 não vingará.
Até agora, os dados da economia norte-americana não confirmam essa visão. Diferentemente de 1994, quando havia um quadro de pressão inflacionária, ou de 1999, quando o crescimento econômico era robusto o suficiente para ameaçar a estabilidade de preços, o Fed está diante de uma economia no início do ciclo de crescimento e sem pressões inflacionárias significativas. A baixa utilização da capacidade instalada e os níveis recordes de produtividade do trabalho reforçam a tese de que a inflação está apenas atenuando o medo de um processo deflacionário. No caso do petróleo, não fosse o temor gerado pelo terrorismo e o balanço entre oferta e demanda, daria tranqüilidade aos preços, com a oferta estimada superando com folga a maior demanda gerada pelo aquecimento econômico mundial.
Sem turbulências agudas na frente externa, os fluxos de capitais para o Brasil podem ser mantidos, favorecendo as trajetórias de câmbio e juros e, desse modo, o crescimento. As estatísticas jogam a favor. Como o desempenho do segundo e terceiro trimestres do ano passado foi ruim, a comparação com 2003 será vantajosa: mantendo-se os níveis de produção do primeiro trimestre deste ano, um exercício um tanto conservador, o crescimento do PIB seria de 2,8% em 2004. As estimativas médias de mercado, no entanto, indicam uma taxa maior, de 3,5%. Na Tendências Consultoria, nossa visão continua sendo de um crescimento próximo a 4%.
É natural que haja elevada ansiedade pela volta do crescimento. Isso explica o interesse popular pelas decisões do Banco Central, que, no curto prazo, lidera o processo de retomada. É também por isso que a agenda de debates acaba sendo deslocada no Brasil. O crescimento verdadeiro, duradouro, não é aquele sustentado por cortes marginais na taxa de juros. Talvez nem por cortes mais agressivos, que têm o elevado risco de pressionar o câmbio, elevar a inflação e corroer a renda real do consumidor, inibindo o crescimento. Nesse aspecto, o BC pode muito pouco. As reuniões do Copom, cercadas de tanta paixão, não nos aproximarão do sonhado crescimento chinês ou indiano.
Para crescer, o Brasil precisará gerar um ambiente propício aos negócios, e isso tem nome: definição e respeito às regras. Pode parecer pouco, mas é o que falta para que os investimentos continuem em recuperação, principalmente nos setores de infra-estrutura. O vento hoje, portanto, está a favor. Quanto a isso parecem restar poucas dúvidas. A questão central é saber se o rumo para o crescimento sustentável será mantido.


Roberto Padovani, 37, mestre em economia pela FGV-SP, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada.


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